O rosto da aposentada Shirley de Souza era um entre tantos no meio de uma multidão. E apesar de diferente dos demais, carregava a mesma sensação de esperança, expressa em sorrisos, lágrimas e espanto. A experiência vivida há apenas dois dias ainda está presente na mente e coração da mulher de 56 anos e não será apagada. Na posse de Lula para o seu terceiro mandato como presidente em Brasília, Shirley foi mais do que uma testemunha ocular da história. Ela se viu inserida na página principal.
“Foi o povo que passou a faixa para o Lula”, escreveu nas redes sociais Shirley, uma das inúmeras representantes da Região Metropolitana de Campinas na posse, em meio a um Brasil que se reuniu na Capital Federal no dia primeiro de janeiro de 2023.
Em sua manifestação nas redes, a aposentada de Vinhedo fazia referência ao grupo de representantes do povo que subiu a rampa com Lula e que permitiu, segundo ela, a cada um dos presentes se ver representado naquela ocasião. Antes de ser colocada em Lula, a faixa passou pelas mãos do menino preto Francisco, do cacique Raoni, do metalúrgico Weslley, do professor Murilo, da cozinheira Jucimara, do ativista Ivan Baron, do artesão Flávio Pereira e da catadora Aline Sousa.
“A entrega da faixa presidencial feita pelo povo foi surpreendente e emocionante”, definiu Shirley, lembrando também a emoção e a diversidade como fatores marcantes durante o evento. “Muitos choraram no discurso do Lula e também foi bonito ver as várias faces do Brasil representadas na multidão.”
A professora Juliana Viana, que viajou a Brasília com um grupo de docentes da Unicamp, reforçou o espírito de união prevalecente durante a posse que, segundo ela, gerou uma sensação de paz e alívio. “Me senti cercada de amigos, pois, mesmo sem conhecer a multidão de pessoas, reconheci nelas os mesmos ideais e as lutas pelas mesmas causas. Me senti em paz, aliviada e muito feliz”, conta a professora.
Antes de chegar à posse, no entanto, a tensão que dominou o cenário político dos últimos meses esteve no caminho da docente.
“Quando saí de onde eu estava hospedada no domingo de manhã, me deparei com um carro, cujos adereços identificavam o motorista como eleitor do Bolsonaro. Por precaução, achei melhor me desfazer dos símbolos que carregava para evitar problemas. Assim, caminhei pelas ruas e entrei no ônibus sem manifestar meu posicionamento político. Só recoloquei meus adereços ao chegar na estação de metrô, onde um ‘mar vermelho’ tomava conta.”
O jornalista de Campinas Wanderley Garcia também ressaltou o clima fraternal da ocasião. “Havia muita gente e era inevitável os esbarrões, pisadas no pé, mas ninguém se incomodava, pelo contrário, todos se irmanavam e davam risada”, conta, enfatizando ainda a alegria das pessoas em manifestarem suas diversidades. “Havia gente de várias etnias, orientações sexuais e percebíamos a satisfação delas em poderem manifestar posições que foram reprimidas em função de uma política de estado adotada no último governo.”
Passado e presente
A aposentada Shirley, citada no início da reportagem, esteve em Brasília ao lado da filha, de 28 anos, a mesma que a acompanhou na posse de Lula em 2003 para o primeiro mandato do político como presidente. Na época com 36 anos e a filha com 8, Shirley lembra que o Brasil passava por outro contexto histórico, mas o sentimento de esperança por um país mais justo era o mesmo.
As bandeiras levantadas há 20 anos também não eram diferentes das atuais. Um exemplo disso foi a camiseta que a então psicóloga tentou entregar de presente a Lula durante aquela posse. “Tinha estampada uma mensagem de combate à violência contra a mulher”, lembra. “Pedimos para um menino no meio da multidão tentar entregar para o Lula, mas não deu certo. A camiseta acabou se perdendo.”
Wanderley Garcia, também presente na posse de 2003, faz uma comparação entre aquele momento e o atual.
“Há 20 anos, a esquerda derrotava um governo neoliberal, era uma sensação de avanço”, interpreta. Atualmente, avalia, o cenário representa uma ruptura. “A tensão agora é maior pelo fato de a vitória ter sido sobre um projeto autoritário que ameaçava a democracia.”
E hoje, aqueles que participaram de uma importante página da história recente do Brasil voltam para casa com um novo caminho a percorrer. Caminho esse movido pela esperança de que o simbolismo expresso na virada do ano em Brasília represente, de fato, uma realidade pelos próximos anos na vida de cada brasileiro.