Em setembro são comemoradas diversas datas relacionadas a algumas neoplasias hematológicas, a doenças não oncológicas do sangue e um tributo aos doadores de medula óssea. Não se percam, as datas comemorativas são muitas e são as seguintes: Dia Mundial da Leucemia (04/09); Dia Mundial do Mieloma Múltiplo (05/09); Dia Mundial de Conscientização Sobre Os Linfomas (15/09); Dia Mundial do Doador de Medula Óssea (19/09); Dia Mundial da Mielofibrose Primária (20/09); Dia Mundial da Leucemia Mielóide Crônica (LMC) (22/09) e Dia Mundial da Púrpura Trombocitopênica Idiopática ou Imunológica (PTI) (24/09).
A lembrança destas datas foi feita, através de suas redes sociais, pela ABRALE (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia). Esta entidade faz um extraordinário trabalho de suporte e orientação aos pacientes hematológicos brasileiros. Neste mês de setembro ainda, a ABRALE promove o “Todos Juntos Contra o Câncer – TJCC”, evento virtual que debaterá o futuro da oncologia no Brasil.
Impressionante observar este movimento mundial a favor de pacientes acometidos por doenças hematológicas muitas delas absolutamente desconhecidas pela comunidade.
Como hematologista e tendo o privilégio de ter esta coluna, não poderia deixar de registrar este fato e aproveitar este espaço para trazer informações, ainda que sumárias, a respeito destas doenças. As doenças onco-hematológicas são responsáveis por 12% de todos os tumores da humanidade. Portanto não são frequentes ou mesmo conhecidas. Entretanto, as doenças hematológicas tiveram e têm fundamental importância na ciência e na evolução da oncologia moderna.
Os estudos pioneiros com o linfoma de Hodgkin e com a leucemia linfoblástica da infância (juntamente com o câncer de mama) foram fundamentais e possivelmente plantaram as bases científicas de tratamento e investigação clínica da oncologia moderna. A criação de modelos terapêuticos com racional de obtenção de resultados e protocolos organizados, sequenciais e com respostas mensuráveis persistem e são continuadamente aperfeiçoadas através das pesquisas clínicas.
Cabe ainda destacar que foi dentro da Hematologia que obtivemos as primeiras drogas alvos com extraordinária repercussão na ciência e na clínica oncológica. Dois fármacos são destaques: o “imatinibe” que revolucionou o tratamento da leucemia mielóide crônica (LMC) e do tumor estromal gastrointestinal (GIST) e o “rituximabe” (anticorpo quimérico anti-CD20) que ampliou de maneira significativa as respostas terapêuticas e melhorou acentuadamente o prognóstico dos linfomas de derivação B. O “rituximabe” ainda, em doenças não oncológicas, ampliou e qualificou o tratamento de várias doenças autoimunes como e principalmente a artrite reumatoide e imunes como a PTI.
A partir destes fármacos, uma série muito importante de novos remédios antitumorais com alvos específicos se seguiu levando a oncologia a um novo patamar. Temos certeza que a prática da oncologia está se modificando rapidamente com tratamentos cada vez mais seletivos, específicos e menos tóxicos. No campo da mielofibrose primária, temos o ruxulotinibe que vem ampliando a sobrevida com qualidade dos pacientes por esta rara doença.
Outro destaque que gostaria de fazer é em relação ao mieloma múltiplo (MM), tumor causado por células plasmocitárias que, em sua função normal no organismo, são as células responsáveis pela produção de anticorpos. É uma doença de idosos que cresce em sua incidência em torno de 3-4% ao ano em todo o mundo. O MM pode causar enorme sofrimento pela dor óssea e repercussões orgânicas frequentes. Nas últimas décadas, o MM se transformou. Em meu início de carreira, o MM era uma doença “indigna” pelo sofrimento que impunha aos pacientes. Hoje, ainda que não seja curável (caminhamos para a cura), os pacientes ganharam vida com qualidade com a introdução de novos fármacos mais específicos e de suporte e a adoção do transplante autólogo como parte integrante do tratamento para pacientes de até 75 anos. É uma das doenças onde, no mundo, se aplica o maior volume de recursos e onde a sociedade organizada mais apoia as pesquisas (inclusive com recursos) e promove grande apoio aos pacientes.
A International Myeloma Foundation (IMF), que sou membro juntamente a outros colegas brasileiros, tem um fortíssimo trabalho de advocacy promovendo inúmeras atividades de apoio assistencial e de investigação centrado no interesse e cuidado dos pacientes. A Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH) também promove constante trabalho junto aos pacientes e suas entidades, com espaços em seus eventos para discussões voltadas aos interesses dos pacientes, tudo isto visando garantir maior acesso, incorporação de novos exames, fármacos, produtos e procedimentos bem como promover a integração dos profissionais e cientistas com a comunidade. É muito interessante ver esta absoluta integração entre profissionais técnicos e sociedade. Talvez esta seja a melhor receita para avançarmos no enfrentamento do câncer. Marcar dias e meses para lembrar de doenças que afetam nossa população é uma forma válida de dar visibilidade às suas necessidades bem como apresentar os avanços destas áreas. Não há conflito de interesse nisto, apenas o interesse de apoiar continuadamente aqueles que precisam de nosso trabalho e apoio.
Finalmente, gostaria de deixar aqui meu tributo aos doadores de medula óssea.
Doadores de órgãos e tecidos são seres humanos especiais. No dia dedicado aos doadores de medula óssea gostaria de lembrar as milhares de vidas salvas por este ato altruísta, voluntário e anônimo. Todo o sucesso dos transplantes se deve aos doadores. Fica aqui nosso agradecimento e reconhecimento em nome dos pacientes e dos profissionais que atuam nesta área da saúde. Devemos sempre e mais do que nunca, celebrar a vida através destes atos de solidariedade.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020