Por Kátia Camargo
Uma cena que tem se tornado cada dia mais comum em restaurantes, shoppings centers ou espaços públicos em geral é a de um adulto colocando vídeos cheios de estímulos sonoros e visuais na frente de um bebê. A ideia é de que a criança fique entretida enquanto os pais ou tutores realizam determinada atividade (como almoçar ou comprar algo).
Na sala de espera dos consultórios a cena se repete, a psicopedagoga e especialista em educação infantil da Unità Faculdade, Debora Corigliano tem sentido o reflexo disso não só lá, onde as crianças estão desaprendendo a esperar, mas também dentro do consultório. “Vejo que as crianças acabam usando celulares, tablets o tempo todo. Elas ficam sujeitas aos eletrônicos ao invés de esperar, olhar e desbravar o mundo ao seu redor. Percebo que o excesso de estímulos tem tirado das crianças algo muito precioso: o ócio. Isso é muito importante para que a criança perceba o mundo ao seu redor e não se restrinja a uma tela de 10 polegadas.”, destaca a psicopedagoga.
Débora conta que saber esperar desenvolve no ser humano muitas habilidades. “A criança que sabe esperar não é ansiosa, não é birrenta e é muito mais calma”, afirma. Ela ressalta que precisamos oferecer oportunidades para que as crianças aprendam simplesmente a esperar, a não fazer nada.
“Hoje vemos meditação para crianças, por quê? Para que elas aprendam a esperar”. A especialista destaca ainda que atualmente oferecemos entretenimento o tempo todo para as crianças, para mantê-las ocupadas. “A espera nos torna criativos, observadores, atenciosos”, destaca.
Vale ainda lembrar que a realidade dentro das escolas é totalmente diferente da realidade da tecnologia. “Mesmo que a gente tenha inserido as aulas on-line e nos familiarizamos com o ensino híbrido estamos aquém de todos os estímulos que a criança tem em casa, no computador, no tablet ou no celular. Com isso, a escola e o professor acabam se tornando desinteressantes”, diz.
Outra coisa importante é que o excesso de tecnologia faz com que os pequenos acabem perdendo a capacidade de raciocinar. “Muitas vezes o que é visto nas redes sociais já vem pronto, não exige tanto raciocínio. Outro ponto alarmante, visto dentro do consultório, é que a parte psicomotora acaba sendo prejudicada. As crianças têm passado muito tempo sentadas para assistir vídeos e jogar videogame e isso tem prejudicado o desenvolvimento delas”, diz.
Ela propõe aos pais e tutores um desafio: Que tal se desconectar das telas e parar para escutar seus filhos, conversar, brincar, observar ao redor ou simplesmente não fazer nada? “Pode ser uma experiência muito bacana para todos”, destaca.
Vale ainda ressaltar que não adianta tirar o celular, o tablet da criança se os pais também ficam o tempo todo conectados. “A família pode estabelecer limites sobre o uso da tecnologia em casa, criando uma rotina saudável para estar de fato presente nas relações, no dia a dia das crianças. É muito importante mesclar as atividades on-line com outros momentos de lazer, brincadeiras e conversas presenciais entre familiares e amigos”, comenta a psicopedagoga.
Estudo aponta prejuízo nos primeiros anos de vida
Para se ter uma ideia, uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Ceará e pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em parceria com outras instituições dá uma dimensão do prejuízo que o acesso aos celulares e tablets nos primeiros anos de vida pode trazer.
Os cientistas acompanharam 3.155 crianças cearenses desde o nascimento até completarem 5 anos de idade. Eles descobriram que, em média, 69% de todos os participantes foram expostos a um tempo excessivo de tela.
O trabalho ainda apontou que cada hora de uso desses dispositivos eletrônicos diminuiu consideravelmente a capacidade de comunicação, de resolução de problemas e de sociabilidade dos pequenos.
Os autores concluíram que “o excesso de exposição às telas é altamente prevalente e esteve associado de forma independente aos problemas de desenvolvimento em crianças menores de 5 anos”.