Se o espectador quiser, “Top Gun – Maverick” (EUA, 2022, aventura, 2h17 min.), de Joseph Kosinski, pode ser muito mais que produto de entretenimento bem-produzido; porém, vazio de conteúdo. Basta afastar velhas teses, espanar a poeira de conceitos estratificados, rever pontos de vistas e ter mente aberta.
Por que Tom Cruise voltou ao velho “Top Gun – Ases Indomáveis” (Tony Scott, 1986)? Porque tem 59 anos e não serve mais para viver o mocinho-herói; tampouco é um grande ator para se arriscar em projeto de maior peso. Trata-se de conhecer o próprio limite.
Ele será lembrado por “Magnólia” (Paul Thomas Anderson) e “De Olhos bem Fechados” (Stanley Kubrick), ambos de 1999, entre uns poucos mais; no entanto, passa longe, por exemplo, de Anthony Hopkins, que aos 84 anos ganhou o segundo Oscar.
Assim, ressuscitar velho personagem (como fizeram outros) atende as exigências da indústria (que quer divisas, e por que não?), aposta em fórmulas conhecidas e vive na memória afetiva de quem, há muito, também deixou a juventude para trás. Ademais, é um astro e ainda tem carisma suficiente para seduzir o público mundo afora.
Nenhuma destas constatações contraria princípios éticos porque trata-se de jogo limpo no complexo mundo do entretenimento – claro, haverá quem interprete o referido mundo pelo viés oposto.
Seja limpo, sujo ou um pouco de ambos, há de se respeitar o sujeito que, na idade dele, com méritos, tenta manter (por que não?) a jovialidade e o espírito aventureiro, como se fosse mais jovem.
E surge de cabelos tingidos, maquiado, a câmera ainda o filma de cima para baixo a fim de torná-lo mais alto e dirige moto poderosa (signo de força, coragem e status) e sente-se em condições de pilotar máquina voadora própria de ficção científica.
São credenciais de quem merece ter divisa acima de capitão, conquistar o amor de Penny, (Jennifer Connelly) e acertar contas do passado na figura do filho de antigo parceiro, Bradley (Miles Teller).
Ele fará estripulias, mas não despertará fascínio por ser quase idoso e realizar proezas aéreas, mas porque, na juventude, se esforçou para acumular conhecimento e, maduro, pode passá-lo adiante. E não se trata de conhecimento qualquer. Dispensado do cargo de piloto, porque o futuro chegou e não o incluiu, segundo o superior dele, Pete ‘Maverick’ Mitchell dará nó na cabeça dos diretores da escola.
Começa jogando o manual dos pilotos no lixo. Para ele, não há idade nem tempo, mas competência, experiência e sabedoria. Não lhe interessa o herói jovem de olhos no futuro, mas o mestre de inexperientes jovens cheios de futuro dispostos a enfrentar a realidade, em vez de ficarem presos às teorias.
Sim, haverá aulas de patriotismo norte-americano e lições próprias de país bélico. O belicismo está impregnado na cultura dos Estados Unidos. Mas a indústria cultural também.
O cinema da “América” se coloca entre os principais segmentos econômicos do país. Não por acaso a França revitalizou o cinema local e a Coreia do Sul e, recentemente, a China, decidiram investir nesse mercado – como a Índia o faz há muito.
No Brasil, a visão de um governo equivocado resolveu incentivar a cultural bélica no indivíduo, ressuscitando a obsoleta imagem de cowboys cujo poder se encontra na arma, não no caráter. A cultura, entretanto, foi para o lixo.
O ensino de Maverick prepara jovens em país impregnado de guerra. Este ensino pode e deve ser esquecido, ainda que muitas lições de guerra sejam úteis aplicadas a outros segmentos.
Importante mesmo é o (quase) idoso ensinar saberes aos jovens, sabedoria da pessoa madura compartilhada com o inexperiente em um mundo de exacerbação do culto à juventude e desprezo à velhice. É o velho contribuindo para fazer desse mundo um lugar mais digno.
Não bastam estes argumentos para fazer de “Top Gun – Maverick” um grande filme. Entretanto, sim, são suficientes para ver na produção algo mais que a má vontade de taxá-lo de caça-níquel. Mesmo se for, ele pode ser mais que multiplicador de dinheiro e mero entretenimento bem-produzido e vazio.
Pode, se quisermos olhá-lo de um jeito diferente do nosso viciado jeito de olhar.
“Top Gun – Maverick” está em cartaz nos cinemas
João Nunes é jornalista e crítico de cinema