Neste 8 de março, mais um Dia Internacional da Mulher. Mais uma oportunidade para reflexão sobre os imensos desafios ainda existentes para a garantia integral dos direitos das mulheres, no Brasil e em todas as regiões do planeta. Um planeta que tem nome de mulher, Terra, e que apenas será de fato sustentável se for feminino.
Já há algum tempo o ecofeminismo tem sido uma proposta clara, objetiva, de transformação social, associando a luta pela sustentabilidade à luta pelos direitos das mulheres e de todos os grupos historicamente discriminados e atingidos por várias modalidades de violência.
Um mundo realmente sustentável não terá hierarquias, como aquela mais injusta, historicamente estruturada, que é a do masculino sobre o feminino.
Pois foi este mundo masculino que gerou todas as fontes de violência e destruição que conhecemos, a das armas (que sempre mataram e continuam matando), a da exploração desenfreada dos recursos naturais (fonte primária da extinção da diversidade de espécies), a do uso desmedido dos combustíveis fósseis (raiz do aquecimento global resultante das mudanças climáticas).
Os últimos relatórios sobre o estado dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que configuram a Agenda 2030 das Nações Unidas, dão a dimensão dos obstáculos que permanecem no horizonte com relação aos direitos das mulheres. A situação global é crítica, conforme o relatório dos ODS apresentado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, sobre o ODS 5, que preconiza a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas.
De acordo com o relatório, um número alarmante de 55% dos países ainda carecia, em 2022, de leis que proíbam explicitamente as discriminações diretas ou indiretas contra as mulheres. Além disso, 45% dos países ainda não garantiam em lei a proibição de discriminação salarial entre homens e mulheres.
Quanto ao matrimônio e a família, segundo a ONU, quase 25% dos países ainda não reconheciam a igualdade de direitos no matrimônio e divórcio. E cerca de 70% não reconheciam a idade mínima de 18 anos para se contrair matrimônio.
No Brasil, a situação é igualmente crítica, como evidencia o Relatório Luz, produzido pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030. Esse Grupo de Trabalho reúne dezenas de organizações da sociedade civil, em diversos segmentos. O Relatório Luz mais recente, de 2023, diz respeito ao status em 2022, o último ano com dados consolidados. 2022 foi o último ano do governo federal anterior, de Jair Bolsonaro.
O Relatório Luz 2023 lembra então que o Brasil é o 92° de 153 países no ranking de garantia de equidade para mulheres, “tendo retrocedido ainda mais em 2022 com os efeitos da pandemia da Covid-19 e as históricas e múltiplas violências de gênero derivadas da insuficiência de políticas públicas e investimento no setor”.
De acordo com o documento, a meta incluída no ODS 5, de fim de qualquer forma de violência de gênero, continua muito longe de ser atingida. Na realidade, essa meta continua em retrocesso desde a primeira edição do Relatório Luz, em 2017. “Em 2022, o número de mulheres maiores de 16 anos que declararam ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses cresceu 4,5% em relação ao ano anterior, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: 18,6 milhões de relatos (28,9%), maior índice desde o início do levantamento, em 2018. Foram quase 51 mil casos de violência física, psicológica e/ou sexual contra mulheres por dia. A maior parte delas são negras (65,6%), jovens (30,3% entre 16 e 24 anos de idade) e são mais agredidas verbalmente”, informou o Relatório Luz.
Outra modalidade de violência, a pornografia infantil, também prossegue sendo um enorme monstro a ser derrotado, acentua o Relatório Luz. “As denúncias de pornografia infantil na internet cresceram 10%, totalizando 111.929 registros em 2022, contra 101.833 em 2021”, notou o documento do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030.
Com relação aos casamentos precoces, mais um imenso desafio pela frente. “Os registros de casamentos precoces voltaram a crescer, de 757.179 em 2020 para 932.502 em 2021 (último dado disponível)23. Com a histórica subnotificação pela informalidade das uniões maritais, estimadas em pelo menos 12 milhões/ano e com maior empobrecimento das meninas pós pandemia, o cenário é alarmante”, adverte o relatório.
Outro desafio inquietante refere-se à proporção de mulheres em cargos eletivos. Diz o relatório, sobre a representação feminina no Congresso Nacional, compreendendo Câmara dos Deputados e Senado Federal: “A representação feminina no parlamento segue bem abaixo da média global, que é de 26,6% e piora ao se considerar os dados da América do Sul, cuja média é de 31%. No Senado, a representação feminina subiu de 11 para 15 com a entrada das suplentes em razão das nomeações dos titulares homens para outros postos, o que representa 18,5% dos assentos da casa – a média mundial é de 26,2% e a da América do Sul, de 29%. O Brasil ocupa o 130º lugar em 186 posições no ranking da União Interparlamentar, e, mantido o ritmo atual, serão necessários ao menos 120 anos para atingir a paridade de gênero na Câmara e no Senado”.
A baixa presença de mulheres em cargos gerenciais nas empresas brasileiras é igualmente outra barreira a superar, destaca o Relatório Luz.
“Nos cargos gerenciais, segundo a Fundação Getúlio Vargas, em 2022 mulheres eram apenas 39,2%, avanço de menos de 2% desde 2012, início do levantamento. As maiores remunerações seguem com os homens: em 2022, apenas 36,6% das funções com melhores salários eram de mulheres”, lamenta o documento.
Os documentos da ONU e do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 contemplam muitos outros dados, em vários campos. A mensagem é clara: se não houver uma transformação radical e muito mais rápida, ainda serão muitos anos ou décadas para que os direitos das mulheres sejam plenamente respeitados. Com isso, um mundo mais sustentável, mais justo socialmente e ambientalmente protegido, ficará ainda mais distante de todos nós, o que configura uma gigantesca ameaça civilizatória.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]