Antes de falar do inesperado vencedor do Oscar deste ano, “No Ritmo do Coração” (CODA, EUA/França, 2021, drama, 1h51 min.), da diretora e roteirista norte-americana Siân Heder, faz-se necessário algumas explicações. Trata-se de remake de “A Família Bélier”, do francês Éric Lartigau, realizado em 2014.
E o CODA, do título original, tem dois sentidos: é a sigla de Child of Deaf Adults (filho de adultos surdos) e, traduzido do italiano para o português, cauda, significa passagem final da música em uma composição.
Fosse feita a comparação devida com o favorito (e melhor) “Ataque de Cães”, o filme de Jane Campion ganharia disparado em qualquer quesito. Se pensássemos em remake de musical, “West Side Story”, de Steven Spielberg, é um belíssimo filme e, na comparação, também sairia vencedor. Tivesse o Oscar algo como Prêmio do Júri, como ocorre nos festivais, “No Ritmo do Coração” poderia ser contemplado sem nenhum problema; afinal, trata-se de uma causa e, como se imagina, não recebe a devida atenção. Porém, não possui peso para ser escolhido o melhor entre os nove concorrentes.
Apesar de tudo, visto com boa vontade, o filme é competente naquilo a que se propõe e simpático – apesar da obviedade da narrativa; o espectador sabe desde o início o que vai acontecer. O roteiro, quando muito, consegue retardar o desfecho com alguns anticlimax.
A propósito, o roteiro da própria diretora é linear, direto, objetivo. Há três momentos de conjunção entre roteiro e direção nos quais se nota um toque de criatividade no qual o filme consegue fugir do lugar comum: quando a protagonista Ruby (Emilia Jones) se apresenta a uma plateia da cidade onde ela vive, na audição da famosa escola de música de Boston, Berklee, e quando canta para o pai.
Ruby é a única pessoa de uma família de deficientes auditivos que fala. E canta muito bem. Envolvida com um coral de Gloucester, Massachusetts, Estados Unidos, ela se destaca e chama a atenção do professor mexicano Bernardo Villalobos (Eugenio Derbez).
O professor também se torna responsável por outra cena de destaque quando desafia Ruby a participar da audição. Mergulhar de lugar alto (ao lado do namorado) seria boa metáfora para desafio: ela não quer deixar a família de pescadores, pois eles dependem da comunicação dela no trabalho. Mas a metáfora foi usada tantas vezes que não surpreende mais.
A empatia que o filme provoca é, mesmo, a atenção que ele chama para o tema da deficiência auditiva. O mundo não foi concebido para minorias. Evoluiu muito nas últimas décadas, mas ainda assim, quem vivencia algum tipo de dificuldade, naturalmente, sofre.
E nem é tanto o caso da família de Ruby, todos envolvidos no trabalho – a única dependência e razão do conflito da trama envolve a questão se ela segue apoiando a mãe, o pai e o irmão, na pesca, ou se arrisca ser cantora.
E o tratamento dado à deficiência também conquista o espectador: são trabalhadores, independentes e mostrados com humor, em especial o pai, Frank (Troy Kotsur), que ganhou o Oscar de ator coadjuvante.
A diretora Siân Heder parece fazer questão absoluta de não ousar em absolutamente nada. Um exemplo: a fotografia de Paula Hidobro, cujo objetivo é ser, apenas, correta. Por isso, foi surpreendente a escolha da Academia de Hollywood ao lhe entregar o Oscar de melhor filme.
Tem-se a impressão que alguém da academia achou que o prêmio da indústria norte-americana de cinema andou se desvirtuando e ficou meio assustado com premiações recentes. Em 2020, por exemplo, ganhou um filme da Coreia do Sul (“Parasita”, de Bong Joon-ho).
A vitória de “No Ritmo do Coração” traz de volta a lembrança de premiações como a de 1980, na qual “Kramer versus Kramer” ganhou disputando com “Apocalypse Now”. Ninguém se lembra do longa de Robert Benton, enquanto o filme de Francis Ford Coppola tornou-se um clássico.
Em Campinas, o filme está em cartaz no Cinépolis do Galleria Shopping e no Kinoplex do Shopping D. Pedro. Na plataforma de streaming pode ser visto na Amazon Prime Video
João Nunes é jornalista e crítico de cinema