Nesta manhã de 7 de setembro assistimos a um desfile em comemoração ao bicentenário da Independência do Brasil. Uma pequena multidão acompanhava o cortejo, na qual eram raros os rostos jovens, contrastando talvez com muitos peitos juvenis que desfilavam vibrantes dentro dos seus uniformes militares.
Qual o motivo do desinteresse quase total dos jovens pela história? “É tudo mentira”, dirão talvez as vozes mais pessimistas. Será? E se for, ou seja, se os que se dispõem a escrevê-la o fazem sem compromisso com a verdade, a solução será esquecê-la ou, reescrevê-la?
É impossível escrever uma história veraz e completa. Imaginemos um visionário historiador contando a Guerra do Paraguai. Começaria ele pela biografia de um soldado brasileiro que morreu nas trincheiras. Busca os seus ancestrais, o dia do seu nascimento, como entrou para o Exército, o que o motivava a lutar, as suas dúvidas e as suas certezas, as suas motivações e os seus medos. Depois faria o mesmo com todos os combatentes, de ambos os lados. Ao cabo desse trabalho insano, teríamos um relato completo e verdadeiro sobre um acontecimento histórico. É evidente a impossibilidade dessa empreitada.
Daí que uma virtude essencial do historiador é a humidade para reconhecer que o seu trabalho será inexoravelmente parcial e incompleto.
Talvez o ajude considerar que em outra dimensão a história de cada ser humano – inclusive aquilo que se passa no seu interior – e da humanidade inteira está sendo escrita de maneira indelével.
Diz-se que a história é – ou pode se converter em – instrumento de dominação. De fato, isso pode acontecer. Tomemos como exemplo o modo como está predominantemente escrita: sob a perspectiva da luta de classes. Nessa linha, apontam-se opressores e oprimidos no Egito, na Grécia antiga, no Império do Brasil e em qualquer outra sociedade. Esse relato não é necessariamente falso. Podemos encontrar as injustiças denunciadas.
No entanto, a narrativa segue essa tônica para concluir que a classe opressora – aquela que quiserem apontar como tal – precisa ser destruída. Porém, essa tal “revolução” já virou história. Então pudemos constatar que onde ela vingou, surgiu uma classe detentora do poder capaz de uma opressão sem precedentes, tanto que precisou fechar as suas fronteiras e impedir que os seus cidadãos saíssem do seu território.
Se é assim, então, como contá-la? Penso que o ponto de partida é uma incursão para dentro do agente da história: o ser humano. Bem por isso que a antropologia pode trazer insubstituíveis aportes ao bem-intencionado historiador. Cada mulher e cada homem que povoa o planeta nasce com uma sede de sentido: “quem sou eu? De onde vim? Para onde vou?” são perguntas que marcam cada indivíduo e carecem de respostas profundas. Ao mesmo tempo, porém, encontramos vislumbres pelo poder, pela fama e pela riqueza, cuja origem precisa ser esclarecida, o que muitas vezes irá explicar o modo de agir de cada pessoa.
O cristianismo – admitam ou não os seus inimigos – responde de maneira coerente e completa a todas essas indagações.
Jesus Cristo “revela plenamente o homem ao próprio homem”, afirmou São João Paulo II em sua encíclica Redemptor Hominis. E desde os primórdios, os cristãos coerentes com a sua fé constroem a sua história a partir da resposta a um chamado que lhes comunica uma missão: “ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”. Assim surgiu a Europa, assim surgiu América e assim surgiu o Brasil.
Dir-se-á que aqui se escravizaram índios, para aqui trouxeram escravos africanos, as riquezas naturais foram roubadas etc., etc., etc… Muito disso aconteceu, é verdade. Mas foi para isso que valentes aventureiros se lançaram num mar desconhecido e temível? As embarcações que aqui atracaram trouxeram Frei Henrique de Coimbra, José de Anchieta e incontáveis almas devotas e sedentas de transmitir a chama de amor que dava sentido às suas vidas.
De fato, haverá outros tantos em cujo coração brotou a cizânia do dinheiro e do poder e que encontrará um cenário propício para converter também aqui o homem em lobo do homem. Mas isso não apaga a chama do ideal cristão trazido para essas terras, como Judas, com o seu destino terrível, não ofuscou o brilho da mensagem que ressoou em Pedro, Tiago, João e em cada um de nós.
O Brasil Paralelo relançou recentemente o documentário “Brasil – A Última Cruzada”. Vale a pena assistir. Confesso que a mim soou como um alento de esperança: há uma nova maneira de contar a mesma história. Parcial e incompleto? Certamente, como toda história que neste mundo pode ser contada. Mas coerente e veraz.
No mais, cara leitora e caro leitor, sejamos também nós bons contadores de história.
Recuperem o hábito de reunir a família, no Natal, na Páscoa, nas ocasiões especiais ou na normalidade de uma noite após o jantar, e contem a história da sua infância, as histórias que a sua mãe e o seu pai lhe contaram, as histórias que os nossos avós nos legaram. Todas imparciais e incompletas, é claro, mas que ajudarão aos nossos filhos, netos e bisnetos a responder àquelas singelas perguntas: de onde eu vim? Para onde eu vou?
Fábio Henrique Prado de Toledo, casado com a Andréa Toledo, pai de 11 filhos e avô de 2 netas. Moderador em cursos de orientação familiar do Instituto Brasileiro da Família – IBF. Especialista em Matrimônio e Educação Familiar pela Universitat Internacional de Catalunya – UIC, é Juiz de Direito.
E-mail: [email protected]