Ler a sinopse ou assistir aos primeiros minutos de 438 Dias (438 Dagar, Suécia, 2019, 124 min.), de Jesper Ganslandt, sobre dois jornalistas suecos presos na Etiópia, em 2011, imediatamente nos remetem a histórias semelhantes que se produz com frequência, em especial nos Estados Unidos.
Ainda que o tema seja bem distinto (a droga), pode se citar, por exemplo, Expresso da Meia-Noite (Alan Parker, 1978), que até ganhou Oscar de roteiro adaptado, e se passa na escuridão de uma prisão turca. Outro ponto interessante a se tocar é que a Suécia aparece no nosso imaginário como país quase perfeito, o que inclui cultura, economia, bem-estar do cidadão, justiça, diplomacia etc. Bem, no caso da diplomacia, entretanto (pelo menos no filme) escancaram-se interesses nada elogiáveis do país escandinavo. O que é bom, porque somos humanos e nada é perfeito.
Baseado no livro de Johan Persson e Martin Schibbye, personagens reais deste suspense, o filme narra os passos do jornalista Martin (Gustaf Skargård) e do fotógrafo Johan (Matias Varela), ao entrarem ilegalmente na Etiópia pela fronteira da Somália.
O objetivo era reportar, de forma independente, como a busca implacável por petróleo afetou a população da região de Ogaden isolada e cheia de conflitos.
Auxiliados por um grupo terrorista em luta contra o governo, eles cortam a fronteira, mas, cinco dias depois são surpreendidos pelo exército etíope. Os homens do grupo terrorista fogem e os suecos são feridos e presos. Como se poderia esperar, eles são considerados terroristas e levados para prisão abominável onde passarão os tais 438 dias do título sofrendo torturas e condenações que ferem todos os princípios de justiça. Um dos soldados, aliás, zomba de Martin dizendo para ele reclamar junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra.
Evidente que a Etiópia não está nem um pouco interessada se os julgamentos de seus tribunais são justos ou não. E em tempos de fake news e dos estragos que elas fazem (e os brasileiros sabem muito bem o que isso quer dizer), nada custa fazer teatro ridículo e encenar julgamento com todos os requintes de tribunal honesto e decidir o destino dos dois profissionais sem lhes dar qualquer direito de defesa.
Se não se pode esperar sentenças justas do governo do país africano, é estranho ver como os interesses econômicos também se impõem sobre a legalidade do governo de um país como a Suécia. E, por outro lado, é importante ressaltar o papel que tem Abdullain Hussein (Faysaal Ahmed) no desfecho da história. E ele não era sueco, mas etíope.
438 Dias é uma daquelas produções em que a história acaba sendo mais importante que o próprio conceito que se possa dar ao filme.
Ele se segura apenas com a história. Isso deve ter determinado a pouca preocupação do diretor em busca de linguagem cinematográfica mais elaborada, pois a intenção parece ser apenas narrar o fato verídico.
Ressalte-se também (e nisso o filme, igualmente, remete à obra de Alan Parker) que o foco da narrativa nem chega a ser a prisão, apesar, claro, da importância que ela tem, mas no exagero das sentenças cruéis para um caso nem tão excepcional assim de dois jornalistas fazendo reportagem.
Obviamente, o governo etíope não desconhecia o poder da informação que seria divulgada pelos jornalistas suecos. Para tanto, realiza julgamento baseado em mentiras porque são governantes que detestam palavras como liberdade de expressão e democracia.
Em países democráticos, pode-se dizer ou escrever o que queira. Se o jornalista (ou quem seja) usar de mentiras e calúnias será julgado e condenado de acordo com a leis; porém, todos os direitos deles serão preservados.
Destaque final para a boa reconstituição da realidade etíope e da trilha sonora de Jon Ekstrand, que pontua (em especial no início) as emoções que se verão nesta aventura responsável por trazer a verdade à luz.
Disponível no NOW, Looke, Vivo Play, Google Play, Microsoft e iTunes. Não recomendado a menores de 14 anos.
João Nunes é jornalista e crítico de cinema