Tony Ramos enfrentou certo preconceito por viver “mocinhos” de telenovelas – papel no qual importa menos o talento e mais a beleza –, mas o tempo se encarregou de mostrar as qualidades dele. A partir da própria TV, ele consumou a carreira no teatro e no cinema e tomou posse na seleta galeria dos grandes atores.
Entretanto, no cinema, faltava-lhe um filme que fosse sofisticado naquilo que se propõe dizer e, ao mesmo tempo, dialogasse com o grande público, e lhe desse a chance de, na condição de protagonista, demonstrar (para quem ainda não sabia) o enorme talento dele.
Pois em “45 do Segundo Tempo” (Brasil, comédia dramática, 2022, 110 minutos), de Luiz Villaça, o ator exibe performance destinada a fazer parte de um desses momentos únicos da vida – no caso, o da carreira artística.
Pedro, que tem a cachorra Calabresa como companheira, é um grande personagem. Apesar de endividado, o modo falastrão, simpático, convincente, emotivo e histriônico de ser convence o açougueiro a lhe vender carne para fazer brachola, famoso prato da cantina Baresi comandado por ele. Mas não seduz o gerente do banco a renovar empréstimo nem a Vigilância Sanitária a voltar atrás na decisão de interditar o restaurante prestes a completar 56 anos.
Às vezes, Pedro assume o arquétipo de mestre e ensina sem discursos ou lições vazias sobre a vida. A palavra dele é certeira. Uma frase (mesmo óbvia) indica a Ivan (Cássio Gabus Mendes) a saída para o problema dele com o filho João (Filipe Bragança).
O mesmo comportamento destrambelhado pode ser afetivo e uma sugestão (na verdade, uma ordem) deixa os amigos tão desconcertados que eles se sentem incapazes de não aceitar o convite para uma viagem.
Tony Ramos domina o filme pela qualidade da construção do personagem feita por ele e, para isso, coloca todo o corpo à disposição: um olhar pode definir a intenção, os gestos são precisos e as expressões são ditas com base nas emoções geradas nos lugares, tempos e pontos certos.
Uma beleza de interpretação. Um prazer vê-lo brincar a sério de ser o Pedro.
Mas é preciso ter em conta que o personagem nasceu de um bom roteiro. Há certa desconfiança em roteiro escrito por mais de duas pessoas; porém Luiz Villaça, Leonardo Moreira, Rafael Gomes e Luna Grimberg desmentem esse princípio. O roteiro é apurado, enxuto, desenhado nas minúcias e concebido a partir de ótimos diálogos.
Frases corriqueiras ganham roupagem nova e ficam críveis, como: “foi a melhor época da nossa vida” ou “parecia maior” (referindo-se à cidade de Areado (MG) onde eles viveram quando jovens).
Outras expressões, mesmo sem serem primor de criatividade, se tornam maiores quando ditas em determinadas situações, como: “no que o mundo fica melhor por minha causa”? – quando Pedro decide interromper a própria vida.
Ou, quando confrontados pela realidade, a fantasia dos três amigos (o outro é Mariano, vivido por Ary França) a respeito de Soninha (participação luminosa de Louise Cardoso) cai por terra – como se precisasse esse confronto e o tempo não tivesse passado e Soninha não tivesse envelhecido.
Ou, ainda, quando o roteiro estabelece virada a partir da história batida do reencontro de antigos amigos de escola – que demonstra uma vez mais que não importa a maneira como se escreve, mas como se conta a velha história. Porém, aqui, há ingrediente novo, o roteiro busca o detalhe que faz a diferença. Trata-se de encontro furtivo gestado por reportagem de jornal.
Pedro deixa claro a situação: “não somos amigos”. Não eram, mas um elo perdido, acrescido da vida atual deles se despedaçando, os fazem embarcar na referida viagem ao passado. Não está no passado a solução, mas na inspiração para refazer a vida e desencavar a amizade perdida.
“45 do Segundo Tempo” tem um senão importante.
Mesmo com as qualidades citadas, o roteiro abusa das metáforas, especialmente, quando toca no tema do futebol. Há impressões romantizadas (e bem-humoradas) que aceitamos como verdades indestrutíveis, como a defesa que Pedro faz ao assistir ao jogo do Palmeiras, a despeito da casa dele ruir de forma inapelável. “Futebol é vida, está acontecendo agora”.
O mesmo futebol como metáfora se encarrega do desfecho; contudo, o excesso do uso faz a intenção passar do ponto. Não compromete um filme que não teme encarar algumas das situações mais duras da vida e, simultaneamente, busca recuperar, em meio às dificuldades, o que essa vida tem de bom e de positivo: ela própria e a amizade.
João Nunes é jornalista e crítico de cinema
O filme estreia nesta quinta, dia 18, nos cinemas. Em Campinas, pode ser visto no Cinépolis do Galleria e do Campinas Shopping, no Cinemark do Iguatemi, no Unimart Shopping e no Kinoplex Shopping D. Pedro