Nada mais longo que o atalho imoral. Cortar caminhos morais para chegar mais depressa ao topo do poder pode ser uma longa estrada de fracassos históricos. E nem quero aqui citar Getúlio Vargas, Hitler, Mussolini, Pinochet, Stalin, Fidel Castro, Mao Tse, e de outros menos votados. A História já virou as suas páginas e muitas outras serão viradas – ou reviradas por acadêmicos interessados em teses de mestrado, doutorado, muito boas para currículos e nada interessante para quem viveu os tempos imorais desses políticos.
E segue a história repetindo os mesmos personagens que buscam o atalho fácil das imoralidades nada republicanas.
Estou bem agasalhado do frio que chegou em uma terça-feira invernal, a primeira. Gosto de frio e sigo em frente. Não vou buscar atalhos e prefiro os mais longos caminhos, andando por uma manhã nublada. O vento sacode as árvores do Bosque dos Jequitibás e a experiência de andarilho matinal me alerta para andar na outra calçada. O Brasil do quebra-galhos não é para mim. E sigo em frente. E aviso os pais que levam o berço do filho a atravessarem a rua. E eles agradecem e rapidamente buscam a minha calçada. E assim seguimos.
E assim estamos protegidos dos atalhos da imoralidade, penso eu, agradecendo velhos ensinamentos de um avô: os mais longos caminhos são os que nos levam para bem longe dos atalhos que os demônios nos oferecem.
Décadas depois, li a frase de alguém, que já esqueci o nome: a retidão é o caminho mais rápido para se encontrar o diabo. A frase se referia aos ditos políticos moralistas, quase santos em seus pedestais eleiçoeiros. E assim fujo do caminho mais curto. Vou pelas quebradas, dobrando esquinas, subindo ladeiras, fugindo das facilidades profissionais, das benesses políticas, não por conta da retidão que não tenho visto que já menti, já ofendi muita gente, fui descrente de Deus e dos homens, e, é claro, até de mim mesmo. E assim purgo o meu longo caminho para cumprir a sina de envelhecer com as velhas calçadas da minha cidade, sem atalhos e apenas ajuntando as pedras portuguesas que andam soltas por aí.
O casal que leva o filho no berço passa por mim e agradece pelo conselho de fugir de algum galho caído das velhas árvores do bosque. E o vento frio segue o seu caminho. E os meus ralos cabelos brincam na minha velha cabeça, rodopiando e se enrolando em velhas lembranças de adolescência. E assim volto para casa, pensando nos longos caminhos que ainda terei pela frente, nas palavras que buscam guarida na minha velha cachola, nas canções que ainda moram no meu violão, nas prosas que ainda terei com os velhos amigos violeiros e cantadores, no sabor das sopas que a moça-que-manda-em-mim prepara para a minha banguela vida sem bengala de atalhos.
E assim olho o Sol do meio-dia, sem calor, coitado, que a bilhões de anos segue o seu longo caminho cósmico, sozinho, pela estrada do Universo. E, é claro, sem pegar nenhum atalho.
Agradeço ao Sol, agradeço a Lua e as Estrelas. Faço uma oração às águas e às plantas. E também ao casal que leva o filho para passear. E beijo a companheira que me aguarda em casa. E bem sei que devo agradecer pelos meus músculos que ainda me levam para os mais longos caminhos. Atalhos, quaisquer um deles, só existem aos que não demarcam caminho na sua existência moral. E que o raro leitor, por favor, não faça juízo das minhas palavras. Elas apenas fizeram um pequeno alinhavo de uma prosa de passagem. Inté.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico