Olga R. de Moraes Von Simson
Academia Campinense de Letras
Na minha condição de antropóloga cultural, que já pesquisou grupos indígenas, em processo de aculturação à sociedade brasileira e associações culturais, formadas por mulatos e imigrantes pobres, dos bairros negros da cidade de São Paulo, ao reconstruir a memória dos cordões carnavalescos paulistanos, gostaria de enxergar o compositor maior da cidade de Campinas como filho de uma cafuza com um mulato e, por isso mesmo, dotado de profunda brasilidade.
Foi essa condição que permitiu a ele produzir obras únicas, que engrandeceram a cena brasileira e o projetaram e ao nosso País, com sua rica cultura musical, em todo o mundo civilizado do final do século XIX e início do XX.
Seria importante ressaltar que, além das óperas e missas que Carlos Gomes produziu, encantando Giuseppe Verdi e o público europeu, ele também compôs obras que refletem suas vivências infanto-juvenis em um lar que era regido por uma mulher cafuza, o que lhe trazia ecos da selva brasileira.
Talvez por isso, ele tenha sido tão bem recebido e muito amado pelo povo do Pará, quando, ao fim de sua vida e já muito doente, aceitou o convite do governador Lauro Sodré para criar e dirigir o Conservatório Musical de Belém do Pará, quando para lá se dirigiu em sua última viagem em vida.
Do pai recebeu o legado cultural do povo negro do Interior paulista, não de maneira explícita, mas nas entrelinhas das peças musicais compostas por seu genitor para a Banda, que o Maestro dirigia e que foram
apresentadas nas muitas efemérides que, ao longo de sua infância e juventude, ele ajudou a alegrar e engrandecer com música de boa qualidade.
Essa considerável riqueza cultural e musical que floresceu em suas muitas composições juvenis foi responsável pela grande aceitação de sua produção musical, primeiro pelos estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, o que o levou para o Rio de Janeiro e à Corte de Pedro II, o imperador que o acolheu, graças às apresentações em cartas de recomendação de eminentes campineiros, mas principalmente pelos esforços da Condessa de Barral, então mentora intelectual do Imperador e, segundo algumas fontes, a grande
paixão do monarca, que se submetera a um casamento, por conveniência, com uma nobre italiana, mais velha do que ele e segundo observadores contemporâneos, nada bonita.
Na Itália, as músicas e as várias óperas que Carlos Gomes lá compôs traziam muitos personagens indígenas, alguns poucos mulatos e negros que reconstruíram, com luxo e beleza, as memórias infantis e da adolescência, vividas em nossa cidade e suas redondezas. Dizem alguns especialistas que a tendência original da criação
gomesiana era a de retratar a cultura afro-brasileira em suas óperas, mas que os movimentos culturais, por ele observados na Côrte e a força da Princesa Isabel, ao assumir a redenção da causa negra o levaram a substituir seus heróis afro descendentes por “Perís” e “Cecís”, originários das tribos indígenas brasileiras.
Olga R. de Moraes Von Simson é acadêmica. Ocupa a cadeira 32 da ACL