Sérgio Galvão Caponi
Academia Campinense de Letras
Aos que pouco ouvem ópera, acrescento que Carlos Gomes não é apenas ópera. Aliás, impressiona como ficou
difícil assistir a uma ópera em terras brasileiras. Quase não há… Perdemos o hábito. Se o hábito faz o monge, somos monges musicais despidos de habito, infelizmente. Mas não por isso, como conterrâneos que somos de
Carlos Gomes, devamos perder nossa santa obrigatoriedade de cultores de sua memória.
O fato é que nosso Nhô Tonico deixou obra significativa escrita à margem das óperas.
Quem não conhece a modinha “Suspiros D’Alma” e principalmente a “Quem Sabe?”, esta supostamente
composta para sua namorada campineira Ambrosina? Essas são obras da juventude do tempo em que compôs o Hino Acadêmico do Largo de São Francisco, faculdade da qual, a conselho dos colegas impressionados com o Hino, fugiu para o Rio para seguir a carreira musical em contrariedade à vontade do pai.
Lá comporia, a par das duas primeiras óperas, a missa de São Sebastião, já considerada uma composição notável
seguida de outra missa igualmente notável, senão inigualável, a Missa de Nossa Senhora da Conceição, composta para a Catedral de Campinas onde o pai, mestre capela, a ouvindo, resolveu, finalmente, aceder à sua
vocação musical.
Após o sucesso de “Noite do Castelo” e “Joana de Flandres”, segue para a Europa para se consagrar um dos maiores compositores do gênero operístico do século XIX, o que não o impediu de compor obras geniais para piano, quarteto de cordas, revistas musicais, canções, canconettas e canzonaturas de tradição europeias, um scherzo, uma meditazione, duas strofes, uma romanza, uma barcarola, e principalmente as famosas modinhas em formato tradicional brasileiro.
Mas, do que pouco se fala é de sua obra pianística.
Dela o grande pianista e acadêmico da Academia Campineira de Letas e Artes, Fernando Lopes, gravou em
1981 o disco “O piano brasileiro de Carlos Gomes” cuja descrição vem a seguir. Importa salientar que este é um dos poucos, senão o único registro completo da obra do compositor para piano, o que reveste o disco de vital importância.
A audição foi originalmente gravada na Sala Cecília Meirelles em 1979. Pode ser ouvido na íntegra abaixo:
Depois foi regravado em LP em 1997 pelo selo Funarte. Observa-se pela relação de peças a importância da gravação. Destaque para o lundu Cayumba, feita para dança de negros da fazenda Santa Genebra, a qual pode ser vista como predecessora do samba, senão já um samba estilizado. Dispensável lembrar que Carlos Gomes sendo negro buscou com ela valorizar a cultura afro da Senzala, então tida por muitos como inferior a europeia da Casa Grande.
Da obra pianística de Carlos Gomes tem-se a destacar o vídeo em anexo com a interpretação histórica do acadêmico Fernando Lopes na sala Carlos Gomes da Academia Campineira de Letas e Artes em 2015, ocasião
em que, com sua exemplar interpretação, deixou um registro não só de sua técnica inigualável, como, também, um registro da qualidade dessa peça de Carlos Gomes para piano, muita vez a lembrar, sob alguns aspectos, sem qualquer exagero, a obra de Franz Schubert, tal como ocorre com tantas outras e, particularmente com sua Sonata em Ré, Burrico de Pau, para quarteto de cordas, composta já quando Gomes pressentia a proximidade da morte e imaginava um burrinho levando sua alma para o céu.
Vídeo do YouTube do Mormorio na ACLA abaixo:
Sérgio Galvão Caponi é acadêmico. Ocupa a cadeira 26 da ACL