Marina Becker
Academia Campinense de Letras
Na noite de 19 de março de 1870, após delirantes aplausos do público, o maestro campineiro Antônio Carlos Gomes (1836-1896) consagrou-se como o primeiro compositor brasileiro a ser reconhecido no cenário musical internacional, com a estreia da ópera Il Guarany no Teatro Scala, em Milão. Foi o ingresso do Brasil no mundo da grande ópera, e a primeira vez que um compositor brasileiro apresentava uma ópera com tema romântico e nacional.
Il Guarany é uma ópera em quatro atos, baseada no romance de José de Alencar, O Guarani. Seu libreto, em italiano, foi escrito por Antonio Scalvini e Carlo D’Ormeville.
A estreia foi um sucesso estrondoso. Carlos Gomes teve que voltar ao palco 16 vezes, sendo longamente aclamado. Foi reapresentada diversas vezes na Itália e nos melhores teatros de ópera da época. Trata-se de uma das óperas exóticas mais famosas de sua época. A música foi bem aceita pelo público, sobretudo pela sua
inventividade melódica.
Il Guarany contribuiu, através do espetáculo cênico de grande ópera, para a difusão de uma imagem do Brasil pitoresco e exótico, imagem essa, identificada com a própria figura de Carlos Gomes, que continuou sendo representado como os indígenas de Il Guarany nas charges e historietas da imprensa até o fim da sua carreira
italiana.
Essa ópera está inserida num grande movimento de renovação no teatro lírico italiano, ao explorar temas regionais, precedendo a Aida, de Giuseppe Verdi, em um ano. É simbólica pelo espírito de patriotismo musical.
Em 02 de dezembro do mesmo ano, foi apresentada no Rio de Janeiro, para comemorar o aniversário do Imperador D. Pedro II. Em 1879, a ópera rodou o mundo e foi apresentada em cidades como Livorno, Milão, Moscou e Pittsburg. Mais recentemente, em 1996, Il Guarany foi apresentada pela Ópera Nacional de
Washington, com Plácido Domingo no papel de Peri. O dueto “Sento una forza indomita” para tenor e soprano fez parte do repertório gravado de Francesco Marconi com Bice Mililotti, de 1908, e de Enrico Caruso com Emmy Destinn, de 1914.
A representação do Brasil na arte literária de José de Alencar e na arte musical de Carlos Gomes revela a nação brasileira imaginada de forma ufanista e exótica, o que pode ser avaliado a partir dos recursos estéticos encontrados, como descrições exuberantes da terra, ênfase na cor local, diálogos e efeitos melódicos de tom
nacional, elementos de forte poder dramático, provocadores de arrebatamento no leitor e no ouvinte, além de outros recursos de composição criativa que trazem a memória a cultural da nação.
A abertura sinfônica da ópera, também denominada protofonia, foi e continua a ser a música mais tocada em apresentações feitas por bandas musicais brasileiras.
Por ter sido escolhida para vinheta de abertura do jornal radiofônico “A Hora do Brasil”, e pela obrigatoriedade de veiculação deste programa em todas as emissoras de rádio do País, tornou-se a melodia mais conhecida em
território nacional, uma espécie de segundo hino nacional do Brasil.
Marina Becker é acadêmica. Ocupa a cadeira 12 da ACL