Como atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, e convivendo dentro da instituição desde maio de 2022, eu não poderia deixar de expressar meu orgulho e enorme satisfação relacionado à publicação do último dia 1º de fevereiro em uma das mais importantes revistas médicas do mundo a “The New England Journal of Medicine” com os resultados do estudo clínico de fase três, da vacina contra a dengue (1).
O estudo “Live, Attenuated, Tetravalent Butantan-Dengue Vaccine in Children and Adults”, coloca o Instituto Butantan (IB) em um patamar científico elevado e traz a real esperança de que, em tempo relativamente curto possamos contar com esta vacina. Devemos lembrar que, após a pandemia de Covid-19, as arboviroses voltaram a ser um dos mais importantes problemas de saúde pública, seja no Brasil, onde há o maior número de casos em todo o mundo, mas, também, na quase totalidade de países, mesmo os que estão no hemisfério norte.
Há pouco tempo, nós tínhamos o conceito de que estas doenças eram tropicais apenas, que tinham ciclos razoavelmente previsíveis e não evoluiriam para países frios. Pois bem, isto mudou. Países do hemisfério norte como os Estados Unidos da América, França, Itália, dentre muitos outros, apresentaram surtos de arboviroses seja a nossa conhecida Dengue, como a Zika e a grave Chikungunya.
Por sinal, o IB está bastante adiantado para a disponibilização à população brasileira de uma excelente vacina, já aprovada para adultos pelo FDA (food and drug administration) dos EUA e em fase final de estudos para crianças e adolescentes no Brasil. Mas o que o estudo publicado trouxe de muito importante? Primeiro eu destacaria a qualidade metodológica e os números inquestionáveis de voluntários participantes. Foram mais de 16 mil que receberam a vacina com um grupo controle de quase seis mil pessoas. Destes, aproximadamente 50% não tiveram evidência de infecção prévia de dengue.
Com estes números, este estudo controlado pode definir a eficácia da vacina em até dois anos de seguimento em três grupos etários (2-6 anos, 7-17 anos e 18-59 anos). Além disto e este é um aspecto que eu sempre destaquei como muito importante, a vacina demonstrou ser altamente segura. Devemos lembrar sempre, que a taxa de mortalidade da dengue, felizmente, é baixa (em nossa experiência inferior a 0.01%).
Isto quer dizer que a vacina deve ser muito segura e com efeitos adversos, inclusive graves, devem ser inferiores as da doença. Felizmente, a vacina se mostrou extremante segura e com efeitos adversos em % baixo e de baixa gravidade.
Entretanto, no mundo sem vacinas, à medida em que o tempo passa e as infecções ocorrem, aumenta o risco de quadros mais graves e, portanto, maior morbimortalidade. Daí a importância premente de termos a vacina disponível para nossa população. Outro aspecto importante obtido a partir do estudo, é que a vacina foi eficiente com apenas uma injeção e parece que isto será suficiente para uma proteção longa. Quanto tempo? Só o monitoramento pós estudo poderá definir isto. Mas, certamente, é longo suficiente e por muitos anos.
Como já coloquei anteriormente, os dados de monitoramento em dois anos mostram a permanência da proteção em níveis adequados. Vamos ver agora se isto permanecerá em tempo mais longo. Esperamos que sim. Fazer uma só injeção é mais uma vantagem potencial sobre as vacinas disponíveis no mercado pois elimina a necessidade de uma segunda (ou até posterior) injeção.
Outro aspecto importante é ser uma vacina tetravalente. Há um detalhe em relação a isto. Durante todo o período de testagem, os tipos 3 e 4 não circularam entre nós e, portanto, não foi possível testar a vacina para estas variantes. Ficará para estudos futuros esta confirmação.
Assim, em resumo, uma única dose do Butantan-DV foi eficaz em crianças e adultos entre as idades de dois a 59 anos. O objetivo primário foi obtido e a eficácia foi aproximadamente, 80% para a proteção contra dengue sintomática e com a presença viral confirmada. Esta proteção é longa e satisfatória. A vacina mostrou em uma única aplicação um perfil de segurança e eficácia muito bom e duradouro (pelo menos, até dois anos).
Estes dados são extremamente importantes para que esta vacina continue a ser desenvolvida e seja produzida, o quanto antes, no Brasil. Parabéns a toda a comunidade do IB por esta extraordinária conquista da ciência brasileira.
(1)- E.G. Kallás et al: “Live, Attenuated, Tetravalent Butantan-Dengue Vaccine in Children and Adults”: N England J Med 390; 5, 2024.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan. Diretor científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).