Estamos vivendo, infelizmente, uma nova explosão de casos de Covid-19 nos países do oriente e, principalmente, na China e na Índia. Os dados de muitos países do mundo a respeito da pandemia, incluindo os dois acima citados, sempre deixaram desconfianças pela absoluta falta de transparência e suporte científico sobre as políticas públicas de enfrentamento bem como na apresentação de seus relatórios do número de casos e de mortes dentre os seus habitantes.
Em uma publicação extremamente importante e em uma revista científica de enorme impacto, a Nature, a OMS apresenta dados aterrorizantes a respeito dos países mais acometidos, incluindo o Brasil, fazendo estimativa do que pode ter sido a real pandemia através do mundo, até aquela data (novembro de 2022) (1).
Como todos nós sabemos, a OMS tem a obrigação de compilar e disseminar dados estatísticos em mortalidade e vem acompanhando estes dados desde janeiro de 2020. Os relatos estatísticos de mortalidade são bastante problemáticos em muitos países tendo em vista diversos fatores como acesso a testes diagnósticos, capacidade para realizar diagnósticos diferenciais, e certificação inconsistente de suas mortes. Devido a estes fatores, inúmeros danos colaterais fazem com que a situação piore em termos de perdas de vidas e dos agravos a ela atribuída.
Este estudo apresenta os dados estimados entre 2020 e 2021, anos que concentraram o maior número de mortes através do mundo (talvez não de casos). Com estudos e análises estatísticas sofisticadas e modelos matemáticos que, confesso, não tenho capacidade de entender, a OMS fez esta análise e os resultados são estarrecedores.
Eles estimaram, em resumo, quase 15 milhões de mortes excedentes (14,83 milhões) globalmente, isto é, 2.74 vezes mais mortes do que as 5,42 milhões até então relatadas. O intervalo neste número de casos foi inserto variando de 13,23 a 16,58 milhões de casos não notificados. Estes dados foram piores em 2021 quando comparado a 2020 (10,36 versus 4,47 milhões). Houve uma enorme variação neste “excesso de mortes” através das seis regiões da OMS.
Como esperado, houve uma enorme variação através das várias economias do mundo, mas, em geral, as estimativas de excesso de mortalidade relatadas foram maiores em quase todos os países. Acima de 50% ocorreu em países de baixa ou média-baixa renda. Isto inclui muitos dos países da África subsaariana com poucos casos reportados. Dados da SEAR (OMS – região do sudeste asiático) mostram que, no meio de 2021, mais de duas vezes o número de mortes comparada à série histórica.
O estudo avaliou os 25 países com maior número estimado de mortes que representam aproximadamente 50% da população mundial e 80% do excesso de mortes no mundo.
Os países foram colocados em ordem alfabética (inglês): Bangladesh, Brasil, Colômbia, Egito, Índia, Indonésia, Iran, Itália, México, Nigéria, Paquistão, Peru, Filipinas, Polônia, Rússia, África do Sul, Reino Unido, Turquia, Ucrânia, e Estados Unidos da América. Apenas a Índia, teve um excesso de 4,74 milhões de mortes, seguida de 1,07 da Rússia, 1,03 da Indonésia e de que quase 1,0 milhão dos EUA.
O Brasil está entre os países que tiveram seus dados completamente analisados (haviam três categorias de análise dependendo da disponibilidade dos dados) e cujo excesso de mortes é relativamente pequeno (P score 20-<30%). Está entre os cinco países de melhor desempenho nesta análise. Interpreto este fato ao enorme esforço dos entes federados subnacionais (Estados e Municípios) que, através do SUS e de entes e organizações de nossa sociedade, mantiveram os dados suficientemente atualizados e acessíveis tanto para nossa população quanto aos órgãos internacionais como a OMS.
O impacto deste excesso de mortes foi fortemente determinado pela população dos países. A Índia foi a que teve maior excesso de mortes enquanto os EUA foi o 4º colocado. Entretanto, países menores como o Peru, Bolívia, Bulgária foram impactados mais fortemente relativamente às suas populações e sempre acima de 50% (Peru – 97%).
A OMS tornou os resultados de excesso de mortalidade uma ferramenta pública e acessível através do site: https://worldhealthorg.shinyapps.io/covid/. Esta ferramenta permite exploração transparente dos países e regiões do mundo. Todos os dados e códigos são disponíveis em : https://github.com/WHOexcessc19/Codebase.
Este é um modelo “vivo” e que pode ser atualizado periodicamente adicionando variáveis de importância. O que estou apresentando é um resumo do artigo e do tema. Aos interessados, aqui estão os caminhos de busca.
(1)- Mesemburi W, Karlinsky A, Knutson V, Aleshin-Guendel S, Chatterji S & Wakefield J: The WHO estimates of excess mortality associated with the COVID-19 pandemic. Nature – Open Access, www.nature.com; http://doi.org/10.1038/s41586-022-05522-2.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020, Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022.