Entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro um dos grandes produtores mundiais de petróleo, Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, vai sediar mais uma edição da Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP-28. Duas guerras de grande proporção em curso, na Ucrânia e Israel, com certeza vão afetar o ambiente das negociações que prosseguem no sentido de reduzir as emissões de gases de efeito estufa que alimentam as mudanças climáticas em curso e que estão impactando o planeta como um todo. A seca histórica na Amazônia, maior reserva de água doce do mundo, é um claro exemplo.
Mas está cada vez mais claro que o próprio enfrentamento das mudanças climáticas virou uma guerra particular, sem nenhuma previsão de término. Enquanto aumenta a pressão para que decisões concretas sejam assumidas, por governos e corporações, cresce também a movimentação das forças que querem manter o status quo que as beneficia. No caso, as grandes corporações que continuam lucrando muito com a exploração dos combustíveis fósseis, maiores responsáveis pelas emissões que estão agravando sistematicamente o aquecimento global.
Um gesto importante acaba de ser feito por um conjunto de mais de 130 grandes empresas, de alcance global, que assinaram carta conjunta pedindo maior efetividade das lideranças governamentais, no sentido de que seja estabelecido, na COP-28, um pacto pela redução gradativa do uso dos fósseis. Essa redução foi tentada nas últimas conferências, sem sucesso, em função do lobby das corporações dos fósseis.
Assinam a carta gigantes como Nestlé, Unilever, Volvo, Ikea e, entre elas, a brasileira Natura. Juntas, as signatárias somam US$ 1 trilhão de receitas anuais. Não são interlocutores que os negociadores do clima possam desprezar. As empresas pedem que os países ricos concluam sua transição para energias renováveis até 2035 e que contribuam para que os países pobres façam a sua própria transição até 2040.
São metas significativas, mas é necessário acentuar que o lobby dos fósseis será muito forte em Dubai, como era esperado. A própria Organização dos Países Exportadores do Petróleo (OPEP), que nunca participou oficialmente das COPs, já anunciou que estará presente com um estande na chamada Zona Azul, reservada para os países, empresas e representantes oficiais da sociedade civil nas Conferências do Clima.
Em 2022, apenas as cinco maiores empresas de fósseis somaram um lucro recorde de US$ 200 bilhões. Esse volume histórico se deve, segundo analistas, à alta dos combustíveis derivada da guerra na Ucrânia. A guerra em Israel tende a alimentar esse círculo de ganhos estratosféricos das gigantes dos fósseis.
Não é por acaso que negócios igualmente gigantes estejam ocorrendo justo nesse momento de emergência climática.
Apenas nesse mês foram anunciadas duas grandes aquisições no setor dos fósseis. Por US$ 64 bilhões, a ExxonMobil comprou a Pioneer Natural Resources. Por US$ 53 bilhões, a Chevron, concorrente da Exxon, adquiriu a Hess, empresa americana que produz petróleo e gás. Negócios claramente indicando que o setor está literalmente aquecido e ainda projeta grandes lucros com a continuidade da produção dos fósseis.
Governos, empresas preocupadas com a emergência climática e sociedade civil terão força para enfrentar tamanhos interesses. Não bastassem esses ingredientes, um relatório que acaba de ser divulgado no âmbito das Nações Unidas, sem maior propagação pela mídia global, fez um sério alerta sobre situação que pode complicar ainda mais os esforços contra as mudanças climáticas.
O relatório foi produzido pelo relator especial para os Direitos Humanos e o Ambiente, do Conselho de Direitos Humanos da ONU, David R.Boyd.
O documento apresentado nas Nações Unidas alerta que um processo de arbitragem internacional chamado solução de controvérsias entre investidores e Estados tornou-se um grande obstáculo às ações urgentes necessárias para enfrentar as crises ambientais e de direitos humanos planetárias. Por esse processo de arbitragem internacional, que tem sido mantido longe dos holofotes da mídia e dos fóruns multilaterais, as empresas que se sintam lesadas podem processar governos nacionais.
Segundo relatório, os processos de empresas contra governos que barram negócios claramente impactantes no meio ambiente têm crescido exponencialmente nos últimos anos. Foram 12 casos antes do ano 2000, 37 entre 2000 e 2010 e 126 entre 2010 e 2021. Os valores envolvidos são bilionários. De bilhões de dólares.
Os litígios envolvendo empresas de combustíveis, conforme o relator especial da ONU, somam mais de US$ 1,4 trilhão, montante muito superior ao de outros casos contra governos que alegam sérios impactos ambientais decorrentes de seus negócios. As empresas dos fósseis ganham em mais de 70% dos processos, segundo o documento.
O relator David Boyd observa que o sistema internacional de solução de controvérsias em questão tem despertado muitas críticas pela forma como atua. As decisões desse sistema, ele evidencia, não são tomadas por juízes, mas por profissionais que “frequentemente são considerados como tendo conflitos de interesses” e com inclinação para os investidores.
Os tribunais desse sistema, explica, são compostos por três membros. Um é indicado pela empresa, outro pelo Estado processado. E um terceiro, com reputação considerada ilibada e muito conhecimento jurídico, indicado por consenso pelos dois e que atua como presidente. Na visão do relator especial da ONU, geralmente esse terceiro membro tem histórico de atuação favorável a corporações.
O relatório de David Boyd comenta que alguns tratados internacionais em vigor também contribuem para dificultar as urgentes ações necessárias para conter as mudanças climáticas. Ele cita o Tratado sobre a Carta da Energia, que entrou em vigor em 1998 e que proporciona um acordo multilateral entre 55 países europeus e da Ásia. Suas mais de 100 páginas, observa o relator da ONU, “brindam uma sólida proteção para os investimentos estrangeiros em combustíveis fósseis, mas não fazem referência alguma aos direitos humanos”.
A conclusão é óbvia. As barreiras para uma efetiva solução para o abandono dos fósseis, ainda que de forma bem gradativa, deve demorar muito mais do que a grave crise climática exige. Como tenho assinalado neste espaço, apenas uma intensa mobilização da cidadania planetária conseguirá superar os interesses de enorme magnitude em que a situação permaneça como está. A situação dos ribeirinhos, indígenas, seringueiros e população em geral da Amazônia, que estão sofrendo com a seca histórica, não é motivo de preocupação para os setores dos fósseis.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]