A calçada é o meu caminho. A cidade é o meu País. E assim vou levando minhas pernas por aí. Vou fazendo chá pra moça e guardando carinhos para os seus pés. E vou escutando canções catalunhas para entender o que se passa em seu coração.
Passo pelo canto da pracinha da Igreja São Paulo e vejo um pardal brincando de namorar. O casal voa para uma outra árvore e fica em mim o amor de um pelo outro.
Tudo é muito simples quando se encontra um parceiro para pegar a sua mão. E mais simples é um acordo de vida, de um esperar, de uma xícara de chá. E assim a vida se faz e segue. E assim vou e sigo todos os dias, chá, café e bolachas.
Todas as manhãs e tardes, e, às vezes, à noite. Carinho não tem hora ou lugar. E tudo vale a pena pegar nos pés de quem se ama e acariciar.
Não sei, nunca saberei, se Fernando Pessoa teve pés enamorados para fazer uma massagem e assim encantar a moça amada. Sei que ele foi muito bom para acariciar as palavras; mas palavras não tem pés. É triste, mas a vida é assim.
Mas é bom dizer que Fernando Pessoa nos deu carinhos com seus versos. E assim acho que ele está em dia com os as suas carícias poéticas. E assim me acho massageado na alma, pelos versos de Fernando Pessoa.
Seis e meia da tarde de uma quarta-feira, começa a chover pelas calçadas da minha cidade. Chuva mansa, miúda, mas bem carinhosa, assim como gosto de fazer chover nos pés da minha companheira.
Ela vai chegar depois de alegrar as ruas da cidade e, bem sei, seus pés estarão cansados. Cuidarei deles assim como a chuva cuida das plantas da cidade, dos jardins; e os jardineiros estarão felizes com a chegada de uma nova chuva mansa. E assim a vida segue e seguirá.
E a moça chega trazendo alguns embrulhos. Os mais importantes são os aviamentos que ela foi buscar em uma loja da Rua Costa Aguiar. Ela é a minha senhora dos panos, senhora que sempre foi dos linhos e algodões.
Conheço um pouco do ofício, pois, quando ainda meninote fui ajudante de tintureiro, tratando de tirar a gordura dos colarinhos e punhos dos ternos. E bem depois fui contratado para lavar os panos dos futuros ternos da alfaiataria Lemos.
E assim tenho dedos bem lavados para fazer massagem nos pés da companheira. E eles também estão bem lavados para abraçar o braço do violão. Ou melhor, estão um pouco preguiçosos. Mas os dedos estão enamorados pela pele dos dedos e pés da companheira, fazendo acordes de carinhos – em qualquer tom.
E assim a música da vida segue e assim aguardo mais uma canção.