Temos vivido um momento muito importante em nossa sociedade. Em minha visão, é algo que deveria ser absolutamente natural e, talvez, não devesse ser alvo de constantes debates e ações afirmativas: compromisso de promover a diversidade, a equidade e a inclusão em nossas atividades cotidianas.
Tenho como minha atividade acadêmica a constante produção de conhecimentos, desenvolvimento de projetos na área da saúde, ações de cuidado aos pacientes, de educação aos alunos de todos os níveis de complexidade e carreira e o trabalho de editoria e relatoria sobre trabalhos científicos tanto em nível nacional como internacional.
Este trabalho é de enorme responsabilidade e extremamente prazeroso pois trabalha com as novas conquistas da ciência e a evolução do que chamamos estado-da-arte, isto é, o que a ciência considera o melhor ou mais adequado para o momento.
Pois bem, pela primeira vez em minha vida fui instado por uma das mais importantes editoras científicas do mundo a autodeclarar minha identidade de gênero, etnia e raça em meu perfil no “Editorial Manager” (1). E assim foi feito com todos os editores das revistas associadas, os revisores e os autores dos artigos submetidos e/ou aceitos.
A Editora argumenta que a diversidade nas publicações são parte do ecossistema da pesquisa e um fator importante de criação de pesquisas, um fator que protege contra preconceitos e minimiza os vieses de confirmação além de promover inovação e desenvolvimento, incorporando questões de diversidade autorrelatadas, voluntárias no processo de publicação.
A escolha da identidade de gênero, origem étnica e raça, e sua interseccionalidade, são, segundo a Editora, frequentemente identificadas como áreas de diversidade onde as instituições e organizações de pesquisa ficam aquém em relação às comunidades que atendem e à força de trabalho da qual obtêm pessoal especializado. Segundo a principal autora deste texto, de modo geral, a falta de uma força de trabalho diversificada e inclusiva afeta negativamente o escopo das pesquisas e de quem se beneficia delas.
Em processos editoriais, incluindo autoria e revisão por pares, não é aceitável descartar a falta de diversidade um “problema de pipeline”. Ao não envolver grupos sub representados, os periódicos perpetuam um ciclo vicioso que prejudica esses grupos e dificulta seu avanço e progresso social. Os periódicos, têm, portanto, a oportunidade concreta de promover mudanças positivas neste campo e baseados nos dados obtidos por este novo cadastro.
O trabalho foi liderado pela Royal Society of Chemistry, juntamente com 53 editores em um processo interativo de nível mundial. Alguns líderes do projeto colocam como “uma iniciativa de diversidade, equidade e inclusão como um importante esforço colaborativo a serviço da comunidade de pesquisa que assumiu um papel global em primeira abordagem e que busca uma crescente internacionalização da pesquisa. Os dados de diversidade coletados pela editora permitirão elaborar planos de ação e medir o progresso para melhorar a diversidade e a inclusão nos processos editoriais de periódicos científicos e gerar maior equidade nas publicações de maneira mais ampla.
A ideia é revisar o processo editorial de modo holístico, desde a submissão até a publicação, incluindo o revisor e a seleção do Conselho Editorial. Em adição, se forem encontrados vieses nos processos editoriais, eles serão corrigidos. Os dados de diversidade não serão vistos, acessados ou usados por ninguém durante o processo de envio do manuscrito ou revisão pelos pares. Todos os dados estão sendo agregados e anonimizados para fins dos relatórios.
Impressionante já são os resultados e esta ação tem sido um sucesso. Até o momento, mais de 3.5 milhões de pessoas já fizeram seus relatos de gênero, origem étnica e raça. Este programa está em pleno desenvolvimento e novas inclusões e aperfeiçoamentos estão sendo promovidos.
No Brasil e, particularmente em nosso periódico “Hematology, Transfusion and Cell Therapy” vinculado a Elsevier, temos buscado fazer ações no sentido do que foi proposto. Trata-se de uma extraordinária evolução e desafio na busca da universalização do acesso e da equidade também no processo editorial no campo da ciência, pesquisa e inovação de nossa especialidade.
(1) – Erin Hill-Parks, Ph.D. (Editors’ Update – Elsevier): Paving the way to increase diversity in the journal – and research – 2023
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.