Poucos dias depois do assassinato de uma professora por um adolescente de 13 anos, com uma tesoura, sabemos, perplexos, sobre o ataque de um homem que, com uma machadinha, ceifou covardemente a vida de quatro crianças, em plena luz do dia, numa creche em Blumenau. Em fevereiro, um adolescente usando a suástica nazista atacou uma escola em Monte Mor com uma bomba caseira. Ano passado, houve mais três atentados com vítimas fatais em escolas – todos praticados por adolescentes e jovens homens, em exaltação a discursos de ódio cultivados em chats virtuais.
Embora a violência infelizmente não seja novidade no Brasil (basta ver os números do genocídio contra a juventude periférica nas grandes cidades, o extermínio de povos originários e o feminicídio, por exemplo), o fanatismo ideológico é cada vez mais explícito e torna urgente pensar sobre a escolha de escolas, professoras e estudantes como alvos de atentados praticados por jovens, ex-alunos das mesmas escolas, muitas vezes, com requintes de crueldade e apoio de extremistas em ambientes virtuais.
Na confluência de realidades paralelas construídas a partir das redes sociais e jogos sanguinolentos hiper-realistas nos smartphones e computadores, é possível notar a banalização da vida, a naturalização da violência e a relativização dos extremismos acharem correspondência com práticas e acontecimentos que extrapolam as telas conectadas à internet.
Fiéis em igrejas fazendo apologia a armas de fogo, cidadãos-de-bem vandalizando a Praça dos Três Poderes, empresários escravizando pessoas em situação de vulnerabilidade, “machos-alfas” cometendo assédio, estupro e assassinando ex-companheiras, brigas no trânsito e nos estádios de futebol, famílias chamando intolerância, preconceito e individualismo de “valores cristãos”, autoridades e influencers regurgitando toda essa podridão em vídeos motivacionais que viralizam entre pessoas maldosas ou ingênuas.
Uma geração inteira de crianças negligenciadas por seus familiares, geralmente ocupados demais com trabalho incessante ou com a autoidolatria compulsiva, se torna alvo fácil para sociopatas mal-intencionados que estimulam e encorajam práticas monstruosas sob o anonimato das infovias. Adolescentes inseguros, que nunca aprenderam a lidar com frustrações e não conhecem a empatia, buscam vingança contra a rejeição que pensam sofrer, se identificando com figuras que entraram para a história como pessoas notáveis, ainda que abomináveis, como ditadores, assassinos em série e terroristas.
As escolas, que devem ser espaços de acolhimento, compreensão, tolerância e desenvolvimento de laços afetivos de respeito e confiança, se tornam alvo dos adoradores do ódio justamente porque representam obstáculo a seus planos nefastos de espalhar medo e terror.
Da mesma forma, pessoas que se dedicam à construção de uma sociedade compassiva, incluindo professoras e professores, se tornam inimigas declaradas de quem precisa da ignorância e do fanatismo para promover a si e suas crenças. E há muitas outras formas de violência que antecedem uma facada ou um tiro, como a censura, a perseguição, o desprezo, a exploração, a precarização, a desmoralização, a invisibilização.
O filósofo iluminista Immanuel Kant, no século XVIII, já afirmava que a emancipação do ser humano não vem simplesmente com a idade, mas com a capacidade intelectual de tomar suas próprias decisões a partir da razão, assumindo responsabilidade sobre elas e suas consequências. A escola, através do pensamento crítico-reflexivo, fomenta essa busca pela emancipação do pensamento, provocando a superar resquícios de imediatismo, individualismo e egocentrismo característicos da infância, mas que são reforçados pelo comportamento reacionário de jovens, adultos e até idosos que se comportam como crianças mimadas, porém dotados de força física, armas, organização e poder político, financeiro e bélico.
É na educação que reside a semente da mudança, capaz de subverter a lógica policialesca, punitivista e violenta da competição e do acúmulo pela contemplação da vida como rara oportunidade de desfrutar, com generosidade e solidariedade, desse passeio ímpar pela existência.
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo e mestre em linguagens, mídia e arte.