ESG. Esta sigla passou a aparecer de forma cada vez mais intensa nos debates sobre sustentabilidade nos últimos anos. Mas o que ela significa? Qual a sua real importância para a urgência de um modelo de desenvolvimento sustentável? Quais os desafios que a chamada Agenda ESG enfrenta para ser efetivamente implementada pelo mundo empresarial, o seu território original?
A sigla ESG tem as iniciais para a expressão em inglês Environmental, Social and Governance. Em bom e belo português, Meio Ambiente, Social e Governança.
Na prática, a agenda ESG significa o conjunto de diretrizes, políticas e ações que uma organização executa, nas áreas ambiental, social e de governança, de modo que ela atue de modo sustentável. Ou seja, a empresa que assume o compromisso de desenvolver os princípios da agenda ESG em seu negócio está atenta aos impactos ambientais e sociais de sua operação.
Além disso, essa empresa também deve necessariamente observar uma governança, uma gestão, coerente com os princípios da sustentabilidade, em termos ambientais, sociais e econômicos.
Uma governança, uma gestão empresarial, que apenas privilegie o lucro a qualquer preço da empresa, sem considerar o seu papel social e os impactos que ela produz no ambiente onde está instalada não seria nada sustentável, seria contraditória com o que prescreve uma agenda ESG.
Origens da sigla
O termo ESG deriva da publicação Who Care Wins, lançada em 2004 pelo Pacto Global da ONU, em conjunto com o Banco Mundial. O Pacto Global foi criado em 2000 pelo então secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, com o objetivo de engajar as empresas com Dez Princípios nas áreas de direitos humanos, meio ambiente e anticorrupção.
Na publicação Who Care Wins, a sigla ESG aparece então como uma síntese das preocupações e práticas que as empresas deveriam seguir para que contribuam efetivamente com a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável. Desde então, a agenda ESG ganhou relevância crescente, atingindo uma espécie de clímax durante a pandemia de Covid-19.
Impactos da pandemia
No cenário da mais grave crise sanitária global em mais de um século, ficou evidente que é fundamental uma atuação coletiva, envolvendo governos, empresas e sociedade em geral, para que a população planetária tenha uma real qualidade de vida.
A pandemia deixou evidentes a fragilidade, as injustiças e as incertezas que marcam o atual modelo de desenvolvimento. Muitos pressupostos que eram considerados imutáveis simplesmente perderam o sentido com a pandemia.
A vida é frágil, preciosa, e é essencial que todos cuidem dela da melhor forma para que todos continuem sonhando e buscando a felicidade, essa talvez seja a grande lição da pandemia. E cuidar da vida significa cuidar do outro, do ser humano em geral, e do ambiente onde se vive.
Antecedentes
Esse olhar mais ampliado do mundo empresarial, não apenas para o seu negócio, não é de fato novo. Em 1968, ano em que o mundo passou por profundos questionamentos, em que a cultura de modo geral estava em efervescência, foi criado o Clube de Roma, um grupo de grandes corporações empresariais. Em 1972, ano de realização da primeira conferência global da ONU sobre meio ambiente, em Estocolmo, na Suécia, o Clube de Roma publicou o seu primeiro relatório, The Limits to Growth, ou Os Limites do Crescimento.
Em linha gerais, e de modo bem sintético, o relatório afirmava que a forma como a economia mundial vinha crescendo era insustentável, ou seja, havia limitações naturais para que ela continuasse naquele ritmo. O documento teve forte repercussão e, claro, sofreu críticas, sobretudo daqueles setores que viram nele uma justificativa para frear o crescimento dos países mais pobres e para frear, também, o crescimento populacional, em especial nesses mesmos países. Mas de qualquer modo foi um indicativo de que o mundo empresarial está, assim, atento às tendências gerais do planeta.
Crises simultâneas
Não poderia ser diferente agora, em que o planeta atravessa graves crises simultâneas. Uma dessas crises é a climática, caracterizada por mudanças drásticas nos padrões climáticos da Terra, em decorrência do uso desordenado, sem medidas, de combustíveis fósseis, como o petróleo e o carvão, ambos baseados no carbono. Estes são os combustíveis que estão na base da sociedade atual, mas o preço está sendo pago por todos.
O excesso de lançamento de gases na atmosfera, resultantes do uso desses combustíveis fósseis, está contribuindo para mudar o clima do planeta. Temporadas cada vez mais letais de furacões, secas intensas em algumas regiões, e temporais igualmente cada vez mais intensos em outras, são as faces dessas mudanças climáticas em curso. No Brasil nós tivemos vários exemplos recentes e catastróficos dessas alterações climáticas.
É fundamental, neste panorama, a descarbonização da economia, ou seja, que as indústrias utilizem cada vez menos combustíveis fósseis. É a hora da transição energética, para uma sociedade que use fontes energéticas cada vez mais limpas, sustentáveis. Esse é um dos principais pontos hoje da agenda ESG.
Direitos humanos
Mas como a sigla indica, não se trata apenas de meio ambiente. Uma empresa que está efetivamente empenhada em aplicar os princípios ESG também deve estar atenta a suas práticas sociais, começando com a forma como trata seus funcionários e até como é o seu papel social, qual a contribuição que dá para a comunidade onde está instalada.
A empresa busca respeitar a diversidade étnica e de gênero de seu corpo de colaboradores? Colabora com ações transformadoras no bairro onde está instalada? São algumas questões que a empresa alinhada com os princípios ESG deve responder.
Em um contexto em que as redes sociais têm protagonismo crescente, as práticas ambientais e de direitos humanos de uma empresa adquirem importância vital para o negócio. Uma ação ligada a determinada empresa, que fere as inquietações atuais de ordem ambiental e social, pode ser fatal para a sua própria existência.
Foi enorme, por exemplo, a repercussão no último mês de março, derivada de uma operação que flagrou a ocorrência de trabalho análogo à escravidão na colheita de uva no Rio Grande do Sul. Mais de 200 trabalhadores, de origem nordestina, foram encontrados em condições desumanas. O caso teve muito efeito negativo para o setor empresarial em questão e foi mais um exemplo de que é fundamental estar muito atento hoje às implicações sociais de um negócio empresarial.
Desafios e ameaças
Em síntese, a adoção de princípios ESG tende a ser irreversível. A empresa que não tiver muito claro o seu papel em termos sociais, ambientais e de governança, tende a ser duramente penalizada. Essa é uma boa notícia para a urgente busca global por um novo modelo de desenvolvimento, considerando o poder político e econômico do segmento empresarial em geral.
Mas ainda há muitos desafios a superar. A aplicação da agenda ESG também sofre riscos, por incrível que pareça.
Ainda há quem veja em seus princípios uma limitação à chamada liberdade empresarial, que deveria ser total em uma sociedade capitalista.
Nos Estados Unidos, existe até um movimento em curso de contestação da agenda ESG. O movimento resultou até na aprovação pelo Congresso americano, por sua maioria do Partido Republicano, de uma resolução impedindo que gestores de fundos de pensão tomem suas decisões de investimento com base em critérios sociais e ambientais, como aqueles associados ao enfrentamento das mudanças climáticas. A resolução recebeu o veto do presidente Joe Biden no final de março, mas a temática continua forte na sociedade estadunidense.
Há precedentes preocupantes. Um forte movimento, também nas esferas mais radicais do Partido Republicano, levou ao questionamento da Agenda 21, o principal documento aprovado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em junho de 1992, no Rio de Janeiro. A oposição republicana resultou em graves prejuízos para a aplicação da Agenda 21 nos Estados Unidos, com repercussões também em outros países.
Tomara que o mesmo não ocorra em termos da agenda ESG. Eu entendo que de fato a preocupação com a sustentabilidade em sua ampla dimensão, ambiental, social e econômica não tem mais volta.
A própria civilização está em xeque hoje, com tantos desafios em múltiplas frentes. Mas é vital que a cidadania planetária continue atuante, cobrando do mundo empresarial uma atuação crescentemente sintonizada com os anseios gerais por uma sociedade mais justa, igualitária e respeitadora dos limites da natureza.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]