Correndo o risco de soar um pouquinho clichê, decidi escrever sobre amor. Mais especificamente, sobre o amor em tempos de isolamento. Para ser sincera, até eu fiquei um pouquinho surpresa com a temática desse texto: não tinha percebido o quanto queria escrever sobre ela até que sentei na cadeira e abri o Word; de repente, soube com certeza que não poderia ser qualquer outro assunto preenchendo aquela página em branco ou eu não ficaria satisfeita.
Parando para refletir, é claro que todo mundo concorda que os últimos dois anos afetaram a nossa rotina, as nossas relações e até mesmo a nossa personalidade. Mas sinto que, quando pensamos nas consequências da pandemia e do isolamento, quase sempre mencionamos aspectos mais materiais, mais práticos… Mais “sérios”.
Falamos do ensino, que se tornou on-line. Falamos da saúde pública, que sofreu um baque intenso diante da má-gestão. Falamos da economia, que entrou em crise. Falamos dos preços do mercado, que têm tudo a ver com o retorno do Brasil ao mapa da fome. E, ainda que todas essas coisas tenham uma importância imensurável, as perdas mais “simbólicas” também têm.
Para mim, é sobre as pequenas coisas. Sobre os hábitos diários. Acreditam que eu sinto falta até mesmo do transporte coletivo? E também do mar de gente que tomava conta da lanchonete da minha faculdade durante os intervalos. E também de esperar na fila do micro-ondas às dez da manhã, porque eu sabia que depois das onze era “horário de pico”.
Mas o que eu mais sinto falta mesmo é dos abraços que eu recebia dos meus amigos desde as oito da manhã até às cinco da tarde; dos toques no ombro antes de eles me perguntarem alguma coisa; e também da proximidade silenciosa que a gente compartilhava durante as aulas presenciais.
De tanto pensar nisso, eu descobri que as minhas principais linguagens do amor são toque físico e tempo de qualidade, duas coisas que, com nesses últimos anos, acabaram encontrando limitações significativas. Escrevo esse texto com 100% de certeza que o isolamento, apesar de ser uma forma de cuidado coletivo, deixou o meu emocional bastante afetado, justamente porque restringiu as minhas principais formas de demonstrar e receber carinho – afinal, é disso que se trata qualquer uma das cinco linguagens do amor, desde o toque físico e o tempo de qualidade, até as palavras de afirmação, atos de serviço e presentes!
Por outro lado, aos pouquinhos, acredito que podemos encontrar maneiras de adaptar as coisas que nos fazem felizes ou, ainda, descobrir novos hábitos carinhosos. No meu caso, o isolamento me tornou muito mais tátil com a minha família mais próxima e já perdi a conta de quantas vezes nos juntamos para ver um filme qualquer na Netflix.
Já com os amigos, apesar de o toque físico ter sido restringido até a segunda ordem, acabamos descobrindo um milhão de novas formas de passar tempo de qualidade juntos, desde as leituras coletivas online até as ligações silenciosas em que cada um trabalha em uma coisa, mas na companhia do outro.
Bianca Vizzotto, estudante de 21 anos, afirma que uma das suas maiores descobertas nesse período foi o “poder de ‘só estar’ quando não há o que dizer”. Refletindo sobre as dificuldades que enfrentou, ela comenta que: “Com a ansiedade causada por esses tempos, até mesmo me expressar pelas palavras [de afirmação] ficou difícil, não sabia muito bem o que dizer (…), tudo parecia pouco e isso foi me angustiando. (…) Com o tempo, consegui redescobrir quais palavras usar, o que foi muito importante quando a saída [para expressar amor] eram longas horas de mensagens”.
Já Maria Silvia, mãe do Gael e educomunicadora, diz que, para ela, o amor tem se manifestado através de gestos, olhares e vasinhos de flores.
Em um relato sobre a fórmula do amor materno, ela revela que, nos últimos anos, aprendeu muito mais sobre dinossauros, pinguins e rinocerontes, e que, inclusive, já decorou os diálogos da Patrulha Canina. E, refletindo sobre a importância do tempo de qualidade como linguagem do amor, ela conta: “[Eu e o Gael] ficamos muito mais juntinhos. (…) Tomamos banho de chuva e aproveitamos a vitamina D desse sol lindo diariamente. Fechei mais o Notebook e abri mais livros. Chorei com Neruda ao mesmo tempo que [Gael] gargalhava com o [desenho] Booba. Adivinhamos mais desenhos em nuvens. Fizemos um acampamento no quintal. Dormimos até mais tarde. Olhamos mais para o céu”.
Por tudo isso, sendo clichê ou não, acredito fielmente que precisamos falar mais sobre o amor em tempos de isolamento. Porque, ainda que grandes tragédias aconteçam todos os dias, não precisamos passar por nenhuma delas sozinhos, seja qual for a nossa principal linguagem do amor.
Então, quando terminarem de ler esse texto, por que não demonstrar carinho para as pessoas que vocês mais amam? Desde uma mensagem dizendo “oi, pensei em você” até um convite para olhar para o céu, cada um da sua janela. Tudo isso é amor. E, tendo amor, a gente tem tudo.
Rafaela Obrownick, 20 anos, é estudante de Relações Internacionais da Facamp