Todos nós sabemos como é difícil a gestão pública, particularmente na área da saúde. Sabemos que formar gestores e mantê-los na gestão pública é ainda mais desafiador. Tive o privilégio de ser o mais longevo secretário de saúde do município de Campinas (oito anos ininterruptos) apesar de inúmeras crises sanitárias como as maiores epidemias de arboviroses da cidade, que poderiam ter me afastado do cargo. Mas, a confiança do prefeito em mim depositada bem como minha crença no que estava fazendo bem como minha resiliência me mantiveram no cargo.
Assim, consegui levar a termo meu compromisso, ainda que dentro da maior crise sanitária que a humanidade viveu nos últimos 100 anos, a pandemia do SarsCov2/Covid-19. Devo lembrar ainda, que o tempo mediano de permanência de gestores na saúde é inferior a 12 meses e isto não é somente no Brasil, mas em praticamente todo o mundo, inclusive nos países mais ricos e com IDH mais elevado que o nosso.
É bastante frequente vermos municípios trocarem seus secretários de saúde duas a três vezes em apenas um ano. Não há dúvidas de que devemos avançar na gestão da saúde pública. Entretanto, para construirmos soluções efetivas é indispensável partir de um diagnóstico preciso da situação global e específica em cada área de atuação.
A administração deve entender os problemas e identificar as prioridades, sobretudo quando os recursos são limitados.
Outro desafio, é espelhar estes diagnósticos e prioridades dentro dos orçamentos e, assim, tentar produzir o maior benefício com o que se tem à disposição. Quando os gestores ignoram estas premissas, normalmente, entregam falta de assistência e desperdício. Uma enorme vantagem de ter permanecido oito anos à frente da SMS foi ter tido a oportunidade de planejar e executar estratégias de recuperação estrutural e funcional da rede de saúde municipal, estabelecendo inúmeras e importantes parcerias públicas como as efetivadas com o Ministério da Saúde e a Secretaria de Estado da Saúde.
Nesta última parceria, o benefício foi de toda a região de Campinas com o maior programa de recuperação da atenção básica através do programa denominado “Saúde em Ação” que teve o suporte técnico e financeiro do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).
No “Saúde em Ação”, inúmeros subprojetos foram estabelecidos onde destacaria, o desenvolvimento de um programa de custos nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) de Campinas, que têm um perfil de Unidades Mistas e do Vale do Ribeira, Unidades de estrutura e funcionalidade mais simples. Foi ótimo saber quanto custa cada unidade, quanto custa cada consulta e cada procedimento e, a partir disto, elaborar programas de recuperação de recursos humanos e de eficiência de gestão no sistema.
Outras parcerias muito importantes e relevantes foram feitas com a iniciativa privada e construção de muitas novas unidades ou reformas de grandes unidades foram realizadas. Em geral, os entes federados, particularmente os municípios, têm poucos recursos para investimentos de capital e necessitam destes constantes apoios. Mas, é fundamental planejar e ter projetos acabados para sabermos exatamente do que estamos falando, quanto custa realmente e o que estamos fazendo.
O panorama de repasses financeiros dentro do SUS não é bom ou suficiente, sabemos disto! Mas, é nosso papel olhar para o futuro e antecipar medidas que garantam a qualidade e sustentabilidade do SUS.
Sabemos que as administrações públicas de todas as esferas estão severamente pressionadas com a alta de custos da saúde. Isto se agravou nestes dois últimos anos pela pandemia de Covid-19 e pela inflação geral muito elevada.
Importante relembrar que a inflação da saúde é sempre superior à inflação geral pela grande dependência de insumos e produtos importados, incorporações de novos fármacos, reagentes, procedimentos, etc., ampliação da “SUS dependência” ocasionada pelo empobrecimento e envelhecimento da população, dentre muitos outros fatores. Mesmo que façamos uma defesa enfática da alocação de mais recursos à saúde pública, é imprescindível a implantação continuada de medidas que tornem a saúde pública mais efetiva.
Uma das medidas fundamentais é, sem dúvida, o fortalecimento e profissionalização da atenção básica. É importante prevenir ou diagnosticar precocemente doenças graves e oferecer assistência resolutiva e encaminhamento adequado dentro do sistema. Estima-se que, cerca de 85% de todos os problemas de saúde possam ser assumidos e resolvidos dentro da rede de atenção básica.
Planejar o futuro e fortalecer a rede da atenção básica serão os pilares fundamentais de gestão de saúde adequada e consequente. Quanto a gestão, devemos formar cada vez mais, profissionais com compromisso e capacidade de planejar e executar, tornando o SUS cada vez mais eficiente e resolutivo.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020