Jeremy Rifkin, em A Era da Resiliência (Cultrix, 2024), argumenta que estamos entrando em um período crucial, onde nossa capacidade de adaptação e recuperação diante de desafios globais se torna indispensável. Essa mudança de paradigma vem em resposta às consequências de um progresso desmedido, que, embora tenha impulsionado o desenvolvimento humano, agora ameaça nosso equilíbrio ecológico e social.
Somos uma das espécies mais jovens da Terra, com cerca de 200 mil anos. Durante a maior parte desse tempo, vivemos em equilíbrio com a natureza. No entanto, nos últimos 10 mil anos, com o advento da agricultura e da criação de animais, começamos a modificar o ambiente para nosso benefício. A transição de caçadores-coletores para agricultores trouxe consigo a ideia de estoque e provisão, permitindo o crescimento e o empoderamento humano. Contudo, esse progresso também deixou cicatrizes profundas no planeta.
Com o advento da Revolução Industrial no século XVIII, a intensidade e velocidade das mudanças antropogênicas se tornaram devastadoras, levando milhares de espécies à extinção e desequilibrando ecossistemas. Hoje, sinais claros de um planeta ferido manifestam-se em eventos climáticos extremos, revelando o esgotamento da capacidade natural de recuperação. Este cenário levanta uma questão urgente: como podemos evitar o ponto de não retorno ao equilíbrio climático?
Historicamente, visões econômicas como as de Adam Smith e Karl Marx priorizaram a eficiência e a centralização sem considerar o impacto ambiental. Smith acreditava na “mão invisível” do mercado para guiar a eficiência, enquanto Marx via o Estado como o regulador. No entanto, ambas as abordagens negligenciaram a sustentabilidade ecológica.
Além disso, a visão religiosa também contribuiu para essa exploração desmedida do planeta. Em Gênesis 1:28 da Bíblia, está escrito: “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Tenham domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra.” Essa doutrina de domínio foi interpretada ao longo dos séculos como uma permissão para o uso ilimitado dos recursos naturais, reforçando a ideia de que a natureza existe para servir às necessidades humanas.
Hoje, a busca por progresso a qualquer custo já não convence. O desenvolvimento precisa ser socialmente justo e ambientalmente sustentável. Somos compelidos a reavaliar nossas práticas econômicas, formas de governança e relações com a natureza. A questão central é: como podemos nos adaptar e mitigar os efeitos das mudanças ambientais já em curso?
Para navegar nesta transição, precisamos adotar a resiliência como um novo refrão. Isso implica equilibrar a eficiência com sustentabilidade, enfrentando o custo da resiliência sem comprometer a viabilidade econômica. Normas globais são necessárias para garantir que todos participem dessa transformação, evitando que apenas alguns carreguem esse fardo.
O consumo desenfreado e o desperdício material são cada vez mais intoleráveis para a sociedade. Pela primeira vez, estamos questionando a eficiência sem sustentabilidade, movendo-nos em direção a uma era que exige maior adaptabilidade e respeito pelo nosso planeta. A chave será usar nossa capacidade adaptativa não apenas para sobreviver, mas para prosperar em harmonia com a Terra.
Os antropólogos nos lembram que somos uma das espécies mais adaptáveis, mas precisamos usar esse atributo para respeitar a natureza em sua integridade, percebendo-a como uma fonte de vida.
Devemos deixar de ver a Terra como um recurso a ser explorado e, em vez disso, abordá-la como um sistema complexo que requer antecipação e adaptação constantes.
Neste novo paradigma, a pergunta persiste: conseguiremos redefinir nossa relação com o planeta para garantir um futuro sustentável e resiliente para as próximas gerações?
A resposta dependerá de nossa capacidade coletiva de mudança e inovação.
Jurandir Fernandes foi secretário de Transportes de Campinas e secretário de Estado dos Transportes Metropolitanos (SP). Presidiu a Emdec (Campinas), a Emplasa (São Paulo), o Denatran (Brasília) e os Conselhos de Administração do Metrô-SP, CPTM e EMTU-SP. Coordena o Grupo de Mobilidade do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo. É membro do Conselho Internacional do Centro Paulista de Estudos da Transição Energética (Unicamp) e do Conselho da Frente Parlamentar pelos Centros Urbanos (Brasília). É vice-presidente honorário da UITP (Bruxelas).