Se há ao menos uma coisa em comum entre diferentes gerações que atravessaram crises sanitárias, econômicas e existenciais ao longo da história da humanidade, podemos afirmar que a Escola, como entidade de manifestação e construção do conhecimento, melhor simboliza esse elo que parece transcender tempo e espaço.
Do empenho quase inesgotável por buscar soluções a problemas e desafios que emergem alheios às vontades humanas (imprevisíveis e indesejáveis na maioria das vezes) – ou por consequência delas (flagelos da ambição e da tirania, geralmente), às ditas “novas” formas de controle e organização social, é a partir da Educação que nascem e através dela que amadurecem os diálogos, estudos, pesquisas e acordos que nos permitem seguir em direção à superação dos percalços que afligem as sociedades.
Na escola da “vida real”, todavia, as provas são aplicadas antes mesmo de algumas lições serem ensinadas. Frente à pandemia que enfrentamos desde o ano passado, o que para algumas pessoas mais bem preparadas e privilegiadas frente às crises pode soar como oportunidade, para outras tem sido a sentença de morte que denuncia a urgência de repensarmos algumas questões que há muito tempo já deveriam ter sido resolvidas.
A persistência de problemas que se agravaram no Brasil com a Covid-19, como a miséria, a fome e o desemprego, por exemplo, nos provocam a pensar sobre o papel da Educação numa sociedade como a nossa: herdeira de um cruel e injusto passado de exploração colonial e de negação de direitos essenciais e oportunidades a populações que continuam vivendo às margens no sistema de desigualdades globalizadas em que vivemos.
Seja pela falta de acesso à internet (e mesmo eletricidade, saneamento, moradia) ou pela urgente necessidade de trocar os estudos pelo trabalho desde muito cedo, como estarão as crianças de hoje daqui a dez ou 20 anos?
Haverá superação da pobreza e da dependência do assistencialismo que mais naturaliza as desigualdades do que as combate? Longe das escolas, que escolhas terão? O “empreendedorismo”, que vislumbram constar nos livros e materiais didáticos os grupos de maior poder aquisitivo, dará conta de garantir que haja justiça social e igualdade de direitos, como determina nossa Constituição?
Para responder ao questionamento anterior, é preciso destacar outra lição: a Educação manifestada não só pelo acúmulo e reprodução de informações, mas pela produção e significação de valores através do contato entre pessoas diferentes que compõem mundos de diversidade, pluralidade, diferentes necessidades e possibilidades.
Apesar da falsa ilusão de controle a partir das dimensões digitais, a comunidade estudantil inteira pareceu sentir o vazio causado pela Educação “remota”, deslocada do ambiente presencial crítico-reflexivo, dialógico e coletivo que a legitima como instância fundamental para a construção da cidadania.
O uso quase compulsório da internet e das redes sociais para suprir as exigências mercadológicas de um sistema econômico predatório, 7 dias por semana, 24 horas por dia, e de relações afetivas reduzidas a interações superficiais, de exposição exagerada e permanente vigilância, tem forçado a aprender que tempo é muito mais valioso que dinheiro; que não há liberdade sem justiça social; e que as relações humanas não são mensuráveis por engajamento em aplicativos
Na contramão de negacionismos, do discurso de ódio, da censura e de populismos sustentados por notícias falsas, as resistências que apontam à liberdade, à solidariedade e à proteção da vida vêm reafirmando sua presença talvez de forma inédita em nosso País.
Vozes progressistas e emancipatórias têm se mostrado valiosas e indispensáveis para juntar os cacos e seguir caminhando conforme a crise sanitária vai se controlando pela vacinação, mas continuam avançando outras que ainda parecem longe de estarem vencidas, como a precarização de leis trabalhistas, a exploração socioambiental e a corrupção público-privada cada vez mais corrosiva e explícita.
Quanto tempo e quantas vidas mais até que as duras lições trazidas pela pandemia nos levem a uma escola-mundo finalmente compatível com a chegada de um novo milênio que ainda tarda a aprender lições em que temos sido reprovados, como humanidade, há séculos?
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo, mestre em linguagens, mídia e arte