Vejo com frequência tentativas de pessoas de todas as áreas, faixas etárias, no plano profissional e de modo geral, explicarem as diferenças e semelhanças entre esses três tópicos do título.
É mesmo esperável, no âmbito circunscrito de cada personalidade, nos seus relacionamentos interpessoais e no contexto geral da sociedade, tentarmos compreender e vivenciar o egoísmo, o amor-próprio e a autoestima.
Neste artigo, apresentarei algumas reflexões que ajudarão a distinguir cada um deles, favorecendo a distinção e a aplicação no dia a dia do leitor.
É lógico que tenho a pretensão de ajudar, mas também sei que oferecerei apenas alguns pontos de vista, minhas maneiras de lidar com isso. Penso e sinto que, para mim, tem sido bom. Desejo que seja ótimo para o leitor.
Necessitamos aprimorar nossa individualidade, temos que nos cuidar, tratar de nossas vulnerabilidades, alimentar e nutrir o corpo, entusiasmar e motivar o espírito. E, como seres gregários, favorecer nossa boa evolução coletiva, enriquecer nossas interações com os outros, promover trocas construtivas e relações afetivas e prazerosas.
Para manter uma suficiência progressiva de individualidade e de coletividade, demandaremos as três categorias.
Adiantando uma proporcionalidade, teríamos, inspirados nos sete dias da semana: idealmente, um mínimo necessário de egoísmo (um sétimo), um tanto mediano de amor-próprio (dois sétimos) e um máximo de autoestima (quatro sétimos), mais do que a metade dessa conta.
O que exigiria essa presença maior da autoestima, mediana do amor-próprio e menor do egoísmo?
Tudo o que implica qualificação de relacionamento humano resume-se no amor. Destaca A. Comte – Sponville, comentando a virtude da pureza: “…se quisermos: o puro amor – aí estamos – e a única pureza, e o único deus”.
O sujeito egoísta menor, com amor-próprio mediano e autoestima maior estaria apto para amar os outros, para iniciativas altruístas e prazerosas.
O recado bíblico é muitíssimo conhecido. Em Mateus 22:37–39, temos: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.
Se não nos apoiarmos em um registro religioso, podemos aproveitar a “espiritualidade laica” de Luc Ferry: “… enquanto houver algo para transmitir, compartilhar e legar a quem amamos ou poderíamos amar, nossas existências têm sentido”.
Um mínimo de egoísmo. Há dicionários que apontam o egoísmo como “amor exagerado” a si mesmo. Devemos rever isso. Não se trata de amor, mas apego ao ego, importância realimentada e exagerada dos próprios interesses a despeito dos outros. É nocivo, narcisista, tende ao orgulho esnobe, à soberba progressiva. No entanto, como ocorrência episódica, conveniente, oportunista, no mundo atual, é suportável.
Um valor mediano de amor-próprio. Como o nome diz, pode ser amor. A dignidade, o respeito que cada qual tem por si mesmo, uma vaidade moderada, prudente. É um reforço benéfico do ego, que o potencializa para o exercício do altruísmo, mas dentro desse limite: amar-se apenas o suficiente para abrir a alma.
Um valor máximo de autoestima. É o sucesso de quem se valoriza sem vaidade, contenta-se consigo sabendo que não se basta, depende pouco do julgamento externo, confia humildemente em si mesmo, aproveita o espírito aberto, livre, e ama. Estar com a alma aberta e exercitar o amor é o que configura a autoestima.
À medida que o egoísmo não se limita a uma expressão mínima da alma do sujeito e avança para medidas maiores, ele perturba as duas pessoas que se relacionam, seja mãe e filha, patrão e empregado, casal de namorados etc.
Essa dinâmica ruim deve ser bem compreendida, pois não funciona unilateralmente, como se poderia imaginar, que favorecesse apenas o egoísta. Ela perturba os dois lados das relações: prejudica, lesa o outro e esvazia o egoísta. Este tenta se preencher com mais desprezo pelo outro, precisando de novas doses de apelos não-amorosos.
O egoísmo é malicioso, cheio de ardis. Pode enganar a própria pessoa que o pratica. Ela está atuando por pleno egoísmo, mas se engana e se define agindo por amor-próprio. Ou até por autoestima…
O egoísta é espiritualmente bem fraco, muito dependente de maltratar e explorar os outros, realimentando-se do prejuízo alheio. É vampiresco, emocionalmente doente, com carência impreenchível.
Assim, caracteriza um ser humano do pior quilate: não presta, é abusivo, tóxico, perverso, moral e eticamente inaceitável, incapaz de amar.
Precisamos então manter o egoísmo mínimo (os seres humanos ainda não evoluímos a ponto de dispensá-lo), os recursos moderados do amor-próprio e a grandeza da autoestima que nos equipa emocionalmente e sustenta o espírito aberto para o amor.
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor