Friedrich W. Nietzsche viveu no final do século 19. Ele nos brindou com um extenso, profundo e controverso trabalho filosófico. Uma das suas obras polêmicas é “Humano, Demasiado Humano”. Ele procurou contrapor a ciência e a religião – a primeira vê eventos humanos, demasiado humanos; a segunda vê intervenções de seres superiores e ações milagrosas.
O debate sobre essa oposição é instigante, profícuo, precisa ser sempre estimulado e ampliado.
No contexto deste artigo, abordaremos o universo humano, essencialmente humano. O lado, digamos, “religioso, divinamente religioso”, ficará para um próximo.
Perguntemos a nós mesmos, os humanos, pretensamente humanos: estamos sendo suficientemente humanos?
Podemos nos considerar cientistas bem evoluídos. Nossa evolução tecnológica é grandiosa, marcante. E nas décadas recentes, mais rápida e transformadora.
Há um século, só tínhamos telefone, rádio, aviões e automóveis rudimentares. Hoje, os impactos transformadores são fantásticos, empolgantes. Drones, nanotecnologia e inteligência artificial são exemplos vigorosos.
Ao mesmo tempo, continuamos belicosos, bárbaros, cruéis e estúpidos, mantendo guerras e o clima de terror nuclear, no mundo militar. E desnutrição, pobreza, saneamento ambiental pífio, falta de planejamento familiar e muitas doenças evitáveis, no mundo civil.
Somos capazes de estudar, teorizar e praticar com muito bom aproveitamento, em todas as áreas de atividade, mas parecemos limitados e boçais diante das desgraças que a disputa corrupta pelo poder proporciona.
Somos insuficientemente humanos para nos relacionarmos com amor, verdade e ética. A vaidade, o narcisismo, a mentira e a sedução pelo poder persistem!
Desenvolvemos a maravilhosa sublimação dos esportes, promovemos as espetaculares olimpíadas, mas frequentemente desclassificamos medalhistas pelo doping!
Queremos que, aqui no País, pessoas menos privilegiadas, de nível de estudo medíocre, tenham acesso às faculdades.
No entanto, diplomam-se, por exemplo, psicólogos e professores de Educação Física em excesso. Estes treinadores ruins causam lesões osteomusculares nos treinados; aqueles que se arvoram de psicoterapeutas atuam improvisadamente, sem nunca terem participado, como paciente, de uma psicoterapia! Fora a proliferação de “coachs” na internet, sem nenhum diploma…
Mesmo entre vestibulandos de ótimo nível financeiro, a manobra maliciosa estraga os propósitos. Todos preparam-se muito bem, mas o concorrente muito rico compra a vaga…
Os nutricionistas desenvolvem receitas saudáveis, antes inimagináveis, agora disponíveis. Fazem comidas deliciosas, sem açúcar, sem glúten, sem lactose, com gorduras selecionadas, calorias mínimas, porém a obesidade mórbida e infantil espocam com prevalências impactantes.
Se o objetivo maior, verdadeiramente, é o bem comum, melhoria geral para uma comunidade, para que segundo turno em uma eleição? Os dois mais votados se organizariam e iriam governar juntos – se for um país com 20 ministérios, por exemplo, cada um controlaria 10.
Temos que nos criticar, mostrando para nós mesmos a nossa insuficiência humana. E temos que insistir, arriscar, tomar iniciativas, fazer tentativas de nos aprimorar como gente, como ser humano.
Observamos essa desgraça absurda, desumana ao extremo, em Gaza. Por que não criar uma alternativa diplomática inovadora, pelo menos para os israelenses e palestinos que têm inspiração pacífica?
Por exemplo, o Estado Brasileiro criaria uma proposta internacional envolvendo vários países realmente mobilizados em colaborar com a paz, no mundo globalizado, dispostos a negociar com critérios justos e compartilhados.
O Brasil, então, ofereceria um trecho de terra do Amapá encostado na Guiana Francesa. A área equivaleria à do Havaí e seria compartilhada em duas faixas, uma para cada um dos dois novos países independentes e tropicais: Primeiro Estado Palestino e Segundo Estado Israelense.
Os habitantes de cada faixa seriam os de espírito pacífico que desejam a convivência sem litígios. Um sorteio na ONU definiria qual trecho faria fronteira com a Guiana Francesa ou com o Brasil. Oiapoque e outros municípios amapaenses seriam reconstruídos mais a leste.
A compensação brasileira seria receber ajuda para a reconstrução do setor modificado do Amapá e algo também inusitado: uma área de terra, na mesma proporção equivalente ao Havaí, na fronteira do Peru com o Chile, para ter uma propriedade no Pacífico. Cada país andino ofereceria trecho correspondente a cada faixa dos novos países tropicais. Tudo ressarcido pelo G7, o grupo das maiores economias do mundo.
O patrocínio do Primeiro Mundo também comporia o mínimo necessário para que os palestinos e judeus pacíficos, em prazo impressionante, se estruturassem em suas novas terras. E, evidentemente, antes de completar um ano de convivência, já estariam invejados pelos que para lá não se deslocaram…
Devaneio desvairado de sonhador? Pode ser, mas temos que acreditar em nosso potencial de suficiência humana. Os mais humanos dos homens são os capazes de idealizar e de conseguir algo próximo do sonho.
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.