Quando pensamos de modo mais crítico e racional sobre o que realizamos e o que temos a realizar na vida, podemos nos surpreender.
Os impactos positivos e os abalos negativos, avaliados de modo neutro e desapaixonado, podem ser revistos ou confirmados. Às vezes, serão mesmo incômodos.
Neste balanço, vamos deparar com decepções, vários insucessos, planos frustrados. E, obviamente, também confirmaremos sucessos e projetos bem atendidos.
Algumas realizações serão apontadas como verdadeiros milagres, superações que parecerão missões impossíveis. Certos fracassos darão a impressão de falhas imperdoáveis, com fatalismo incontornável.
Para quem gosta de fritar o cérebro, é atrativo levantar questões complexas, provocando a si e aos circunstantes, mesmo que muitas vezes não consiga respostas e só amplie o número de perguntas.
A boa fritura cerebral é divertida, não demanda se fixar obsessiva e excessivamente em determinado assunto, nem realmente “esgotar” os neurônios, permitindo uma concentração útil e esclarecedora.
Sabemos que as incumbências realizáveis são as decisivas, as que resolvem as dificuldades principais, permitindo qualificar a vida.
Não precisamos de figuras de grande fama, de pessoas que se tornam “celebridades” para seguirmos seus exemplos. Esses personagens são absolutas exceções, raríssimas em valor estatístico, absoluta minoria.
Também não necessitamos de caracterizações ficcionais extraordinárias, de super-heróis, de epopeias utópicas, de romances que superam a morte. A história de um casal satisfeito, que montou boa família, morreu na velhice e deixou herança modesta poderia bastar.
No entanto, somos frequentemente atraídos pelas exceções. As apostas nas loterias se multiplicam, especialmente quando os prêmios são maiores. A todo momento, as redes sociais divulgam matérias que visam unicamente viralizar, alcançar número grande de pessoas.
As histórias das supostas celebridades são muito sedutoras. Criam uma perspectiva de excepcionalidade prazerosa, vivências paradisíacas, um surto delicioso de divindade. Compramos a vida da celebridade, o carro, a casa, a roupa. O livro que o famoso lê vende muito mais do que o bom romance do autor não divulgado.
Nessa onda narcisista, muito vaidosa, queremos um lugar muito contraditório: fruir da última moda e ser um destaque diferenciado. Que ambivalência doida: estar muito igual e bem diferente ao mesmo tempo…
O cineasta e jornalista Arnaldo Jabor, que circulou nas esferas das ditas celebridades escreveu: “Felicidade é ser desejado, entrar num circuito comercial de sorrisos e festas e virar um objeto de consumo”.
Ouvimos e vemos professores, filósofos, clérigos e sábios mostrarem que não se pode criar muitas expectativas, que o importante é a trajetória e não a chegada.
Assistimos a filmes, peças, lemos tantos autores que apontam a importância de inúmeras iniciativas, muitas tentativas, esforços impressionantes para resultados modestos.
As realizações na vida precisam mesmo de muito suor, dinamização dos talentos, persistência e habilidade para superar as frustrações.
Precisamos de um número imenso de contatos para concretizar um percentual mínimo de contratos.
À medida que vamos cumprindo boas missões possíveis, pode ser que sejamos contemplados com alguma “impossível”. Façamos filmes caprichados, bem feitos. Um deles pode ser indicado ao Oscar.
Rubem Alves conta sobre um rei tolo que contrata um guru esperto que promete transformar fezes em ouro. Só que, diante dos dejetos, ao recitar a fórmula mágica nas noites de lua cheia, o rei não podia pensar na imagem de um burro…
Joaquim Z. Motta é psiquiatra, sexólogo e escritor.