O abismo entre as universidades e o mercado de trabalho: uma realidade cada dia mais assustadora no Brasil. Estudo recente divulgado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) revela um cenário alarmante sobre a vulnerabilidade dos jovens brasileiros durante a pandemia causada pelo coronavírus. De acordo com os dados da pesquisa, a porcentagem daqueles que não estão no mercado de trabalho e também não estão estudando bateu recorde e chegou aos preocupantes 29,33%. Esse número significa que a cada 100 jovens, 29 não estão trabalhando, e nem estudando. Este ano, certamente teremos números pouco animadores.
Com um olhar mais atento, podemos perceber que a empregabilidade dos jovens — ou a falta dela — não é um resultado de um período pandêmico, mas sim um problema antigo. Mesmo em 2019, um ano antes de estourar a pandemia, 41,8% da população de 18 a 24 anos fazia parte do grupo dos subutilizados, ou seja, estavam desempregados, desistiram de procurar emprego ou tinham disponibilidade para trabalhar por mais horas na semana.
Aqui chegamos ao ponto de inflexão da questão. Pode ficar cada vez pior se o abismo entre a universidade e o mercado de trabalho não sofrer mudanças significativas nos próximos anos. Uma pesquisa realizada pela Gallup apresenta esse cenário.
Enquanto 96% dos gestores acadêmicos acreditam que a formação acadêmica atual é adequada para suprir as necessidades do mundo do trabalho, apenas 11% dos líderes empresariais, ou seja, quem está na ponta do setor produtivo, acreditam que a formação acadêmica é adequada.
Esse foi um levantamento realizado nos EUA, que sabemos que está muito à frente em termos de educação do que o Brasil. Para termos uma ideia, enquanto os americanos emplacaram em 2021, três universidades entre as cinco melhores do ranking internacional da QS Quacquarelli Symonds, empresa de análise do Ensino Superior, o Brasil só aparece na 121ª posição, com a Universidade de São Paulo (USP). Entretanto, existem pesquisas brasileiras que também apontam esse gap entre academia e trabalho no Brasil.
A Educa Insights elaborou uma pesquisa no primeiro trimestre de 2021 para entender o que os gestores educacionais, estudantes e líderes empresariais pensam sobre o nível de preparo dos recém-formados para exercer sua profissão. Enquanto mais de 60% dos estudantes e gestores acadêmicos acreditam que preparam e estão preparados para exercer as suas profissões, apenas 39% dos líderes empresariais acreditam que o preparo é adequado.
Além disso, a pesquisa destaca que os líderes empresariais acreditam que mais de 70% das faculdades hoje no Brasil ofertam disciplinas muito distantes das necessidades do mercado de trabalho e que mais de 50% dos gestores acadêmicos e estudantes reconhecem ter poucas aulas práticas em suas instituições de ensino, e poucas parcerias com o setor produtivo.
Por outro lado, quando se questiona aos gestores educacionais se fariam alguma alteração nas suas grades curriculares atuais para melhor adequá-la às demandas do mercado de trabalho, 75% respondem que sim.
Todos esses dados não surpreendem, porque são eles que justificam também boa parte da evasão escolar e da falta de empregos, em outras palavras, dessa geração “nem-nem”. Parte disso pode ser explicado pela forma como o sistema educacional ainda funciona e que é totalmente desconectado da nova realidade dos jovens.
É preciso então virar a página da Era do emprego e da empregabilidade, que funcionou de 1960 a 2000. Os alunos não querem mais crescer profissionalmente em uma mesma organização realizando uma única tarefa. E também não podem se dar ao luxo de desenvolver apenas algumas competências técnicas e especializações, pois isso já não é mais suficiente para a nova Era do trabalho.
Esse novo momento exige um olhar mais voltado às soft skills, as chamadas habilidades comportamentais, que tanto impactam em nossa forma de pensar, tomar decisões, reagir a situações e lidar com as pessoas, inclusive e especialmente, nesse contexto, no ambiente de trabalho.
Sendo assim, torna-se necessário revermos rapidamente os modelos de aprendizagem e ensino atuais e analisarmos mais profundamente as formas como encaramos as competências técnicas e, especialmente, comportamentais dos alunos. Hoje o jovem não é movido por uma carreira linear, mas por uma carreira exponencial e essa conexão com essas mudanças exige um novo olhar, uma completa avaliação sobre o todo. O abismo entre as universidades e o mercado de trabalho precisa deixar de existir.
Flavio Valiati é head de educação no Zoom e CEO na startup social Vamos Subir, que auxilia jovens em início de carreira.