No Dia Internacional da Mulher, ano a ano testemunhamos manifestações, homenagens e mensagens que percorrem o mundo todo e o nosso cotidiano. Na comemoração despontam pelos menos duas tendências: I) a que reproduz a idealização da mulher feminina, bela, sensível, amorosa e ao mesmo tempo forte e corajosa no seu papel como esposa, mãe e profissional; II) a da luta feminista pela conquista de igualdade (frente ao gênero masculino), nos âmbitos profissional, político, acadêmico, salarial, sexual, e a ação militante contra a violência de gênero advinda do machismo em nossa cultura.
Na herança histórica do patriarcado mulheres sucumbiram ao papel da fragilidade, dependência, e sempre tiveram que suportar abusos sexuais de homens tanto na esfera pública como privada. Independentemente da reciprocidade do desejo, esperava-se que mulheres deveriam se submeter mediante à força, poder ou prestígio do homem. Por outro lado, e de modo contraditório, o desejo foi moralmente reprimido para as mulheres moldadas pela cultura religiosa e patriarcal.
No Brasil, a mesma sociedade que cultua a mulher como uma deusa da família ou rainha do lar, no imaginário que alimenta um mito da perfeição, assiste quase passiva ao fenômeno do feminicídio, ao presenciar e noticiar assassinatos diários de mulheres por ex-companheiros ou homens rejeitados por elas, quando perdem o poder e a razão.
Dentre os desdobramentos acerca do reconhecimento da mulher como sujeito de valor, destacam-se: um conservador, que reproduz o papel ideal feminino definido pelas instituições tradicionais, e outro, libertário, que apregoa a desconstrução dos valores patricarcais através do combate ao machismo, e conquista dos espaços e liberdade da mulher ao derrubar padrões impostos pelas instituições.
Ora protegidas, na garupa, ora empoderadas e independentes, dirigindo a própria vida, faz-se mito a delicadeza como natureza e a necessidade de proteção, pois o mesmo homem que se projeta como provedor e protetor pode ser o que mata e violenta a mulher que não sucumbe ao seu domínio na relação.
O poder ainda é masculino: enquanto o feminicídio for um fenômeno social; enquanto não tivermos mulheres ocupando cargos políticos; enquanto nas profissões tivermos caracterizações marcadas por gênero; enquanto no meio acadêmico houver diferenças de áreas por gênero, considerando que sempre as áreas “femininas” são as mais desvalorizadas e menos remuneradas; enquanto prostitutas existirem para serem consumidas e ao mesmo tempo banidas socialmente.
No Dia Internacional da Mulher como fica a homenagem às lésbicas, às mulheres trans, às mulheres “invisíveis” ou silenciadas em sua condição e/ou orientação diferente dos moldes institucionais?
Ambiguamente, o mesmo machismo que maltrata e cerceia a mulher, a enaltece na data comemorativa, encobrindo sua opressão. Como mulheres livres e realizadas a partir de nossas escolhas vamos nos construindo e descontruindo certos “ideais de mulher”, num movimento permanente de busca de identificação e ocupação de um lugar constituído de potência, de voz, de reconhecimento.
Entre o conservador lugar do altar e o transgressor front de combate ao machismo, as flores devem estar ao nosso alcance tanto quanto o respeito e a valorização do que somos e do que queremos ser.
Eliana Nunes da Silva é pedagoga, doutora em Educação pela Unicamp, supervisora educacional na Secretaria Municipal de Educação de Campinas