“Ao meu amigo Vinícius, meu abraço fraterno”.
Com as sensíveis palavras acima, na condição de autógrafo, recebi das mãos do presidente da Academia Campinense de Letras (ACL), o acadêmico Jorge Alves de Lima, no dia 16 de maio de 2022, exemplar de sua obra autobiográfica, Tempos Idos e Vividos – Volume I.
Na ocasião de seu lançamento, na data acima mencionada, o livro não era, para mim, o principal evento da noite: havia eu me direcionado à sede da Academia Campinense para a palestra em homenagem ao bicentenário da independência, intitulada “A participação da Imperatriz Leopoldina, de José Bonifácio e de Dom Pedro I na Independência do Brasil”, proferida pelo professor e historiador Rafael Nogueira, outrora presidente da Fundação Biblioteca Nacional, hoje ainda secretário nacional de Economia Criativa e Diversidade Cultural. No entanto, quão grata não foi a surpresa de descobrir tratar-se também da noite de lançamento da obra de um ilustre campineiro, sobre a qual me ponho a resenhar.
A vida apresenta certo componente biográfico e cinematográfico. Sua narrativa não é linear e desprovida de percalços, mas sim tortuosa e até mesmo heroica em determinado sentido, além de dotada de certo grau de aleatoriedade ou Providência – como queiram nomear -, que não nos permite planejar o todo, senão uma pequena fração de nossa própria história.
Tão grande é a força dessa incerteza que permitiu a Campinas ter, em seu quadro de cidadãos ilustres, vindo do Paraná, o autor da obra aqui resenhada: nascido no referido Estado sulista, na cidade de Joaquim Távora na primeira metade do século passado, Jorge é membro de família à época um tanto “nômade”, tendo muito se mudado ao longo da infância em razão da profissão de seu pai, habilidoso, querido e – como nos é revelado ao longo do texto – relativamente invejado farmacêutico.
A estabilidade foi encontrada, em grande parte, na amorosa e devota criação de seus pais e na companhia de seu irmão mais novo. Outra parcela relevante do apoio existencial, espiritual e intelectual do então jovem Jorge foi a educação recebida no Colégio Cristo Rei, fundado em Jacarezinho, também no Paraná. À época grande modelo de educação, o Colégio Católico possui, na qualidade de ex-alunos notáveis, além do nosso aqui homenageado, jogadores de futebol famosos no Paraná, o ex-governador daquele Estado, José Richa, e o membro da Casa Real Brasileira, Dom Bertrand de Orleans e Bragança, além de outros políticos de projeção federal, estadual e municipal.
Embora o carinho narrativo de Jorge se direcione às mais diversas dimensões do Colégio, muito mais afeto é direcionado a seu lado humano: das amizades que lá fez na condição de interno até os professores, padres palotinos ou leigos, Jorge recorda-se de suas aventuras e de seus colegas com imenso afeto, ressaltando a permanência de tais amizades até os dias de hoje. Homem de piedade e saudoso de seus Tempos Idos e Vividos, o autor deixa transbordar sua fé cristã, referindo-se aos já falecidos companheiros de Cristo Rei como aqueles que se encontram no “descanso eterno”.
Na obra, portanto, vemos o crescimento do pequeno ao maduro e, à época, “ainda-por-ser” campineiro Jorge, vez que se encerra o primeiro volume com sua chegada em Campinas.
Lemos sobre sua criação, doméstica e educacional, passando inclusive pelo início de sua vida amorosa (iniciada com sua primeira namorada, a quem carinhosamente chama “Heleninha”), bem como pelas aventuras, incluindo uma fuga de cinema do Colégio para que pudesse dançar com a juventude de Jacarezinho. Como disse no começo, a vida tem lá sua face cinematográfica.
Lemos, também, sobre sua desavença com um dos padres palotinos, Padre Damião, o que ensejou sua expulsão do tão amado Cristo Rei. Embora sejam tristes as partidas, mais certo é que a Providência a que aludi no começo cuidou que Jorge tivesse de seu amado tio, Pio Gomes, um lugar onde morar em Jacarezinho, a fim de terminar, em outro colégio (o estadual Ruy Barbosa), o ano letivo em que fora expulso de sua Alma Mater, o Cristo Rei.
Não fossem os meses de convivência com seu tio, sério delegado, talvez não tomaria tão cedo para si a máxima do eterno primeiro ministro inglês, Winston Churchill: “Se estiver passando pelo inferno, continue caminhando”.
Atesto, de fato, que a frase com ele permanece até o longínquo 2022. Quando introduziu o palestrante daquela noite, lembrou o presidente da ACL, na oportunidade, que a pandemia da Covid-19 foi nosso inferno, e que por ele ainda passamos – esperamos todos, ao menos, que livres de sua pior parte. A frase e essa parte da vida de Jorge nos revelam que, quando dos golpes aparentemente duros do acaso, devemos opor aos obstáculos certa audácia e fortaleza, virtudes opostas a uma certa preguiça ou a um conformismo que parece querer nos aprisionar.
O livro, portanto, nos permite experiência humana. Não se trata apenas de observar as impressões do escritor sobre o século XX, inclusive sobre episódios da política nacional da época, tal como o atentado à vida de Carlos Lacerda e o posterior e desgostoso suicídio de Getúlio Vargas. Tampouco é o texto um acumular de fatos que, cronologicamente arranjados, dariam impressão de ordem, porém desprovida de sentido mais profundo.
Trata-se de aprendizado com os empreendimentos, valências e tropeços, com o diferencial de que o personagem principal é figura próxima de nós, campineiros, com muitas histórias ainda por compartilhar.
A Academia Campinense de Letras merece ter o jurista, historiador e biógrafo do grande Carlos Gomes na honrosa posição de seu presidente. Nessa casa da cultura campineira, tive a felicidade de obter uma fotografia com meu agora “conhecido” e querido professor, o Secretário Rafael Nogueira.
Não devo me esquecer, no entanto, do grato achado que foi a obra do acadêmico Jorge Alves de Lima, cuja sequência, seu Volume II, já é – estou certo que, pelo menos, para mim o é – por muitos ansiosamente aguardada.
Vinícius Napoli é estudante de Direito