Estamos a cerca de duas semanas do primeiro turno das eleições majoritárias para o Governo Federal e os Governos Estaduais e proporcionais para o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas estaduais e do distrito federal. Este é sempre um momento de grande apreensão e debates, mas também de grande esperança para o futuro de nossa sociedade.
Eu tenho o conceito de que temos três bens individuais de grande importância, nesta sequência: saúde, liberdade e, por incrível que pareça, o “anonimato”. Brincadeiras a parte, a saúde é o nosso maior bem individual e que buscamos sempre para nossa família, amigos e para toda a sociedade. Nos debates eleitorais a saúde emerge sempre como um grande tema.
Quando se pergunta em qualquer pesquisa de opinião qual é a área de maior relevância ou de problemas sociais, a saúde está sempre entre as três primeiras, independente da sociedade ou país em que estejamos pesquisando através do mundo. Aqui não é diferente, particularmente agora onde o sofrimento da sociedade com a pandemia foi enorme e onde todos, sem exceção, pensamos sempre na saúde como uma das mais relevantes políticas públicas do país a ser continuadamente desenvolvida e aperfeiçoada.
Pudemos testemunhar o que nós que trabalhamos na saúde pública há muitas décadas já sabíamos: temos o Sistema Único de Saúde (SUS), elemento fundamental de nossa proteção na saúde.
Com o SUS pudemos enfrentar a mais grave crise sanitária planetária, desde a gripe espanhola no início do século XX, que foi a pandemia causada pelo novo coronavírus, o SarsCov2, causador da mais temida doença de nossos tempos, a Covid-19 e que causou mais de sete milhões de mortes em todo o mundo e mais de 700 mil mortes no Brasil, até o momento. E a pandemia ainda não terminou.
Assim, apenas para começar e ser breve, qualquer governo eleito deve preservar e desenvolver o SUS. Não será possível e será inaceitável, desacreditar ou enfraquecer este sistema que nos salvou da “barbárie” que poderia ter sido a pandemia. Mas, é importante deixar claro que temos muito a fazer para que este sistema seja ainda mais resolutivo, abrangente e excelente. Estamos vivendo em uma era “efervescente” das ciências da vida. O nosso SUS bem como nosso sistema complementar têm muito a evoluir. Não podemos aceitar que um país com a nossa estrutura e potencial econômico esteja abaixo do que gostaríamos.
Em muitas áreas, como na oncologia, por exemplo, estamos abaixo do que é essencial e isto não é aceitável. Os poderes públicos brasileiros têm investido juntos apenas cerca de 4% do PIB em saúde. O Governo Federal não tem até hoje, um % mínimo de investimento em saúde. Ao contrário, municípios devem aplicar no mínimo 15% e os Estados 12% de suas arrecadações de impostos na saúde. Estes percentuais são constitucionais. A somatória ainda é pequena e muito abaixo do necessário. Países com perfis semelhantes ao nosso têm investido sempre acima de 6%, podendo chegar a 8% do PIB para manter a qualidade mínima necessária aos desafios de hoje.
Neste momento de reflexões e escolhas é muito importante fixarmos estes princípios de defesa incondicional ao SUS. Os candidatos devem empenhar seus compromissos de maneira inarredável de apoio, preservação e aprimoramento do SUS. Estamos falando que este compromisso deve ir desde a atenção básica, grande mote e organizador do sistema até as ações de alta complexidade tanto na prestação de assistência à saúde até o fomento do domínio científico e tecnológico das ações e produtos envolvidos na saúde pública e/ou privada.
A pandemia nos demonstrou as enormes fragilidades e dependências que temos e que devemos reduzir, sob pena de aumentarmos a nossa vulnerabilidade. O país tem massa crítica e estrutura para virar “este jogo”. Temos a necessidade, entretanto, que as políticas públicas de fortalecimento e adequação de nossa estrutura em todos os níveis, de valorização de nossos pesquisadores e servidores da saúde, de nossa produção de insumos e equipamentos voltados à saúde sejam cuidadosamente e planejadamente desenvolvidos ou, em certas circunstâncias, implantados.
Certamente, todos os candidatos têm suas propostas para a saúde pública. Porém, todas elas, devem caminhar em direção do fortalecimento do SUS e de todas as instituições que são responsáveis por sua execução. Não é tempo de embates. A Saúde é um bem de todos, é suprapartidária, é de primeira necessidade e deve ser compromisso de todos os que se apresentem e se disponham a nos representar e nos governar. Devemos aproveitar este momento onde toda a sociedade está altamente sensibilizada com o curso da pandemia e com o diagnóstico de nossas necessidades para darmos um salto de qualidade e de excelência na saúde.
Novamente e sempre, a busca da equidade deve ser a maior motivação para nosso futuro. A ciência madura e consolidada deve nos guiar a fazer as melhores escolhas em termos de políticas públicas. O cuidado a pacientes especiais com sua singularidade deve ser entendido e acolhido. A pesquisa e inovação devem ser implementadas para que possamos ser um player cada vez mais importante neste mundo altamente competitivo.
Vivemos o século da biologia, das ciências da vida e do meio ambiente e isto tem tudo a ver com a saúde. Vai aqui um apelo aos candidatos e futuros governantes: cuidem muito bem da saúde.
O país tem um extraordinário projeto e a mais importante política pública contemporânea que é o SUS. Esta não é uma área de “gastos”, não somos perdulários como muitos pensam depois de eleitos, mas sim de investimento no futuro de nossa sociedade, sadia, produtiva, feliz e com crescente bem-estar.
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.