Sou professor de medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1979 sendo Titular de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas desde 2001. Este é um grande orgulho e, muito mais que isto, uma enorme responsabilidade. Vimos nossa Universidade crescer e vimos as Ciências da Vida ocuparem cada vez mais espaço, não apenas na formação de alunos de graduação, como era em meu tempo de estudante, como na pós-graduação e na geração e apropriação de conhecimentos. Este movimento virtuoso ocorreu em nossa Universidade, não só na área da Saúde, mas em todas as áreas do conhecimento.
A Unicamp se tornou grande protagonista na ciência, apesar de sua juventude (pouco mais de 50 anos de sua fundação). Vimos ainda que, esta evolução ocorreu em várias Universidades brasileiras e, principalmente, nas Universidades Públicas do Estado de São Paulo. Com a autonomia universitária garantida pela constituição de 1988 e com o apoio fundamental das Fapes (fundações de apoio à pesquisa dos Estados), em São Paulo a nossa Fapesp, o CNPq e a Capes, vimos o Brasil evoluir e ocupar lugar de destaque na ciência mundial. Em muitas áreas do conhecimento temos liderança mundial. Vamos esquecer um pouco a atual conjuntura nacional de negligência neste campo, vai passar….
O importante é que continuamos a evoluir e nossas Universidades estão entre as melhores da América Latina (AL) e algumas delas já inseridas entre as melhores do mundo nos vários rankings divulgados através do mundo. Neste último mês de julho, a revista inglesa Times Higher Education apresentou o seu ranking demonstrando que o Brasil tem 72 das 197 melhores instituições de ensino superior da AL e 35 entre as 500 melhores Universidades do mundo em 2022. Destas, 28 estão entre as 50 com melhor avaliação regional.
A Universidade de São Paulo (USP) está em segundo lugar, a Unicamp em terceiro e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em quarto atrás apenas da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Chile. Completa o Top 5 deste ranking o Tecnológico de Monterrey do México. A seguir temos a Universidade Federal de Santa Catarina (6º), Federal do Rio Grande do Sul (8º), Federal de Minas Gerais (9º), PUC do RJ (10º), Federal do Rio de Janeiro (11º) e Unesp (12º). Dentre as 20 melhores, 12 são brasileiras e quatro paulistas. A pesquisa mostra ainda que estamos melhores em grande parte dos itens avaliados, mas que precisamos melhorar em relação ao índice médio de impacto científico das publicações, na inclusão de estudantes estrangeiros e no incremento das cooperações científicas internacionais com outras Universidades e/ou Institutos de pesquisa.
Estes dados mostram o quanto evoluímos em termos da ciência e das pesquisas. Um enorme desafio futuro, entretanto, está na translação de todo o conhecimento gerado, isto é, como transformar tudo isto de modo prático, econômico e eficiente em produção de bens e serviços e na melhoria do bem-estar de nossa população. Temos o diagnóstico preciso de que devemos reduzir, o mais rápido possível, nossa dependência externa de produtos como ficou sobejamente demonstrado durante a pandemia do SarsCov2.
Se por um lado estamos evoluindo bem no campo da ciência, precisamos melhorar no campo da inovação e mais do que isto transformar estes ganhos em domínio do conhecimento que nos permita recuperar nossa capacidade de produção de produtos essenciais como, por exemplo a produção de fármacos e imunobiológicos.
O Brasil hoje produz ou isola pouquíssimos princípios ativos no campo farmacêutico o que nos coloca em situação de constante risco à saúde de nossa população. Somos grandes importadores e “envasadores” de matérias-primas neste campo oriundas, principalmente, da China, Índia e Coreia do Sul. Importante dizer que, neste ponto, já fomos melhores no passado. Precisamos retomar este tema entendendo que a globalização veio para ficar, mas que devemos definir limites de segurança e as nossas prioridades como país. Um exemplo absolutamente fundamental são os fármacos para doenças negligenciadas. Ninguém produzirá grande parte destas drogas por nós.
Outra grande preocupação está com as drogas quimioterápicas tradicionais para o enfrentamento do câncer, cada vez mais escassas e indisponíveis. Drogas inovadoras como os Imunobiológicos, as vacinas, os anticorpos monoclonais, os inibidores de tirosina-quinases e os hemoderivados (imunoglobulinas e fatores anti-hemofílicos) também são estratégicas ao país e precisam ser cuidadas com a devida prioridade.
Enfim, todo o sucesso de nossa ciência e pesquisa obtida através das fundamentais atividades acadêmicas de nossas Universidades, deve ser transformado em um projeto de país mais autônomo, independente e seguro.
Não há qualquer sentido isolacionista no que escrevo. Creio até que a grande maioria destes avanços se darão através de acordos soberanos ou com entidades privadas. O importante é que esta produção de bens e serviços esteja perto de nós garantindo assim a segurança na assistência, cuidado e suporte a nossa gente e as nossas instituições.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.