No “Avatar” de 13 anos atrás, James Cameron criou uma peça cinematográfica de cunho ecológico, misturando ficção científica, aventura e muita fantasia. Era um conto desses que começam com “era uma vez” e foi impossível ficar indiferente ao filme e ao discurso do diretor norte-americano. Se ganhou muito dinheiro? Claro, mas melhor que ganhe falando ou fazendo algo, minimamente, edificante em um mundo que subsiste do caos.
Em “Avatar: O Caminho da Água” (Avatar: The Way of Water, ficção científica, EUA, 2022, 3h10 min., 12 anos), as motivações não mudaram. Os produtores investiram cerca de 350 milhões de dólares que, obviamente, serão multiplicados com o viés ecológico acentuado do filme. E, de novo, não dá para ficar indiferente.
Sim, tem ideias que se repetem como se o filme fosse apenas um prato igual ao anterior acrescido de pitadas de novos temperos. E tem vilões sarcásticos e maus, que se divertem caçando baleias e caçando a bondosa família Sully, interessada em preservação e equilíbrio do meio ambiente.
E há combates (exatamente como em 2009) de alta tecnologia contra a não menos poderosa natureza – como a baleia que se faz amiga de um dos filhos de Jake Sully (Sam Worthington), assim como existem novidades, caso do núcleo dramático de adolescentes, de olho nesse atraente público consumidor. Detalhe: comovente a convivência e a ajuda mútua que surge entre o filho mais velho de Jake e a baleia.
E, do mesmo modo, há perdas irreparáveis e ganhos que servem de ponto de partida para nova sequência. Então, se pergunta: para que tanto tempo de projeção (três horas e doze minutos) e tanto estardalhaço?
O cinema existe calcado na arte dramática e, esta, exige conflito. No geral, a dramaturgia se baseia no cotidiano das relações humanas e toda a riqueza de conflitos que produz e nem sempre se debruça sobre o entorno delas. Um desses entornos é o meio ambiente ignorado e maltratado por governos e por nós mesmos.
“Avatar 2” vale por esse discurso: quem domina o poder de utilizar os múltiplos interesses na riqueza do planeta em próprio benefício pensa, somente, em si mesmo.
Um filme, ainda que em formato de diversão, servido com pipoca e refri e armado de produção capaz de gerar lucros exorbitantes, ao menos tem o poder de contribuir para que se pense um tanto mais sobre valores humanos nobres.
Estão lá os preconceitos com o estrangeiro e com as diferenças, a matança de bichos monumentais na dimensão de equilíbrio com o ser humano, a família dotada de boa vontade e sabedoria para evitar a destruição, as lutas insanas de poder, o mau uso desse poder e do dinheiro, a riqueza cultural de nações autóctones com, ainda, resquícios de ingenuidade, apesar do poder natural das armas que usa contra possíveis guerras e a sabedoria dessas espécies, que deveriam agregar ao conhecimento do chamado humano civilizado.
Isso tudo exposto com uma exuberância de cores (com acento no azul, amarelo, verde e vermelho) e cenários fantasiosos deslumbrantes – porque um filme dessa natureza não poderia ser realista – sustentado por uma boa história: a família Sully, formada pelo pai Jake, pela mãe Neytiri (Zoe Saldana) e os cinco filmes, se refugia em lugar dominado pela raça na’vi, mas os interessados em destruí-la a encontra. Fugir não é saída, ensina o bom roteiro escrito pelo diretor junto com Rick Raffa e Armanda Silver.
Junto a esse cenário imaginário e colorido, que aponta para o aconchego e a tranquilidade, mas onde, também, habitam a dor, a violência e as sombras, a música de Simon Franglen serve como sinfonia que saúda um mundo em construção.
Portanto, o filme fala da busca daquilo que pressupõe ser o mundo ideal.
Nada mal que seja assim: óbvio, repetitivo, industrial e avassalador no lucro e na imposição cultural. A fantasia que se propõe a edificar (no sentido de construir) cabe muito bem ante o absurdo do exasperante cotidiano. A diferença é que, se no dia a dia as soluções parecem escapar das nossas mãos, na fantasia, há sempre uma seta indicando escape. Ou, saída.
João Nunes é jornalista e crítico de cinema
O filme está em cartaz na rede Cinépolis do Shopping Galleria e Shopping Campinas; no Cinemark, do shopping Iguatemi; no Kinoplex do shopping D. Pedro; no Moviecon do shopping Unimart e no Cine Araújo do shopping das Bandeiras.