A yeska Hubner, 36 anos, descobriu no bordado uma forma de reescrever sua história, além de eternizar e contar a história dos outros, por meio de sua arte. Mas, antes de se aventurar entre linhas e agulhas se formou engenheira agrônoma, e após terminar a faculdade emendou o mestrado e o doutorado na área de agronomia, pois sempre teve muito amor pelas coisas ligadas à natureza.
“Logo que terminei o mestrado, fui fazer uma parte do doutorado na Tasmânia, na Austrália, focado em uma espécie de eucalipto. Mas, esse estado tão peculiar da Austrália despertou outro sentido na minha vida: a Tasmânia é uma ilha com poucos habitantes e comecei a reparar que, por lá, as pessoas viviam de uma maneira totalmente diferente. Prometi para mim que ao voltar ao Brasil eu mudaria meu estilo de vida”, conta Ayeska.
A engenheira percebeu que não queria mais morar na cidade.
“Não queria mais viver tendo metas para cumprir de empresas, não queria mais ficar atolada com a cara em uma planilha de Excel. Eu decidi que eu iria criar outra maneira de viver. Não sabia ainda o que seria, mas queria ter mais qualidade de vida, viver próxima da natureza. Na época eu morava em São Paulo e vivia em um apartamento de 45 metros quadrados. Mas tinha um porém: eu queria viver isso logo, não queria esperar pela aposentadoria, ou completar 60, 70 anos, para usufruir desse modo de viver”, lembra.
Claro que deixar uma carreira de lado, com anos de dedicação e estudos, não foi um processo fácil. Aliás, ela destaca que foi muito sofrido. “Entrei em uma crise muito grande. Eu sabia que eu queria ser outra coisa, mas não sabia o que. Foram cinco anos muito difíceis. Eu me sentia mergulhada no porão de ‘Nárnia’ nessa época. Ficava pensando no que podia criar, após ter certeza de que não iria trabalhar com agronomia. Eu não tinha um plano B, foi um período bem desafiador”, reflete.
Novos olhares
De volta ao Brasil, após seis meses, ela teve a ideia de fazer um curso de fotografia. “Me encantei por esse universo, fiz um curso e comecei a trabalhar em um estúdio. Fazia eventos e, de novo, esbarrei com a correria de entregar as fotos imediatamente. Percebi que a fotografia ainda era acelerada e não conversava com o estilo de vida que eu queria viver. Percebi que ainda não era a fotografia o meu caminho, apesar de ser apaixonada por fotos. E, com isso, veio outra crise junto com outra busca. Foi difícil abrir mão novamente”, conta.
Atenta aos sinais
Nesse caminho de busca Ayeska percebeu que precisava criar algo. Foi então que passando pelas redes sociais ela se deparou com a imagem de um bordado. E no mesmo dia teve a ideia de começar a aprender a bordar para si mesma. Foi, então, até um armarinho perto de sua casa e comprou tecido, linha e agulha. “Neste momento só pensava que precisava fazer algo para ocupar a minha cabeça, pois ainda me sentia perdida no que eu queria fazer”, lembra.
O primeiro bordado foi o de um pássaro, depois vieram muitas borboletas e outros pássaros. Assim começou a se aventurar em uma nova jornada, de forma autodidata.
A sensação de liberdade do voo dos pássaros, tão bem retratada em sua arte, e a observação da metamorfose que a borboleta passa para sair do casulo também era o símbolo de renascimento da história que a engenheira agrônoma estava escrevendo. Nascia assim uma bordadeira, com muito orgulho. No começo ela nem imaginava que o bordado traria tantas respostas e um sentido maior na sua vida e se tornaria sua profissão.
Conforme ela ia bordando e se encantando com os resultados ia postando o resultado em suas redes sociais.
“Até que uma amiga perguntou se eu faria um bordado para ela presentear um sobrinho que estava para nascer. Foi a partir desse pedido que percebi que poderia começar a vender a internet, pesquisei e vi que tinha um mercado muito grande nessa área, um universo que até então eu não conhecia. Neste mesmo dia criei uma logomarca e desde então nunca mais parei de receber encomendas”, conta.
E os planos de morar perto da natureza?
Vocês lembram quando ela falou que queria viver mais perto da natureza e respeitar seu ritmo de vida? Ayeska e o marido começaram em 2009 a construir uma casa no campo, em Heliodora. “Era um refúgio para fugir de São Paulo nos finais de semana e poder se conectar com a natureza. Em 2016, nós resolvemos terminar a construção. A nossa casa é recheada de histórias que têm muito do nosso trabalho. O material da casa é todo reciclado. O telhado é feito da madeira que plantamos. Todos os vidros da casa vieram de descartes em caçambas que achamos em São Paulo. As portas achamos no lixo. E depois da casa realizei o sonho de construir um ateliê, colocando literalmente a mão na massa, ajudando a assentar tijolos, pisos”, conta.
Com a chegada da pandemia, Ayeska e o marido Tiago se mudaram de vez para a casa que era um refúgio e que ganhou carinhosamente o nome de Nárnia.
E em seu Instagram, @ah.bordadoamao, Ayeska conta como é a vida em “Nárnia”, os processos do bordado e vai narrando a vida que anda construindo em meio a natureza. Seu trabalho fez tanto sucesso que agora ela decidiu partilhar com outras pessoas seu processo de bordar em tecidos e seu modo de vida mais simples e sustentável, como ela havia sonhado quando voltou da Austrália após o doutorado.
Em ‘Nárnia’ também apareceu Amora, uma cachorrinha esperta que foi deixada na porteira ainda filhote. Enquanto borda, Ayeska acompanha o passar do tempo olhando para as estações do ano, o sol, a chuva e as estrelas. Parte dos alimentos que consomem são produzidos por eles. E de uma coisa ela tem certeza: “o bordado completou minha vida. Sou muito realizada com o que faço, os pássaros que comecei a bordar me trouxeram libertação”, diz.
Kátia Camargo é jornalista e ficou com vontade de assistir novamente ao filme As Crônicas de Nárnia após conversar com Ayeska.