Vamos imaginar uma pizza de dez pedaços e que essa pizza seja o espelho das florestas desmatadas no mundo em 2022. Definitivamente não é um prato saboroso, sobretudo, para nós brasileiros, sabendo que quatro desses dez pedaços são de matas derrubadas em nosso país, e em especial na Amazônia, mas também nos outros biomas, como Cerrado e a Mata Atlântica, que não deveria ter mais nenhuma árvore cortada, de acordo com a legislação vigente.
Esse retrato cruel da destruição ambiental no Brasil foi ratificado por relatório divulgado nesta terça-feira, 27 de junho, pela organização World Resources Institute (WRI), que há anos monitora o desmatamento no planeta. O relatório mostrou que o mundo perdeu 4,1 milhões de hectares de floresta primária em 2022 e, deste total, 1,77 milhões de hectares, ou 43%, foram destruídos no Brasil, correspondendo a 15% na comparação com o ano anterior.
O documento do WRI comprovou a retomada em larga escalada da derrubada de florestas no Brasil, e em particular na Amazônia, nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. A organização ambientalistas ressaltou ainda no relatório que três áreas indígenas na Amazônia, a Apyterewa (Pará), a Karipuna (Rondônia) e a Sepoti (Amazonas), tiveram um recorde de devastação em 2022, relacionada a invasão de terras.
De acordo com o Observatório do Clima, um conjunto de organizações que atuam no enfrentamento das mudanças climáticas, a perda de florestas no Brasil no ano passado, considerando os biomas Amazônia, no Cerrado, no Pantanal e na Mata Atlântica, “significou a emissão de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera, duas vezes e meia mais do que tudo o que o país emite pela queima de combustíveis fósseis”.
Os números do WRI e do Observatório do Clima confirmam como foi destrutiva a política anti-ambiental dos últimos governos brasileiros. Ressalta, também, como é igualmente relevante que o novo governo federal de fato aplique medidas para frear o desmatamento, não apenas na Amazônia, mas em todo território nacional.
Os negacionistas da ciência vivem afirmando que o Brasil é o país com, talvez, a maior proporção de floresta nativa preservada no planeta, que as queixas contra o desmatamento são feitas por nações que já derrubaram quase todas as suas matas. Pois esse deveria ser justamente um dos argumentos centrais no sentido de que o Brasil lidere a luta global contra o desmatamento, que também é a luta contra as mudanças do clima.
O Brasil está perdendo florestas em ritmo muito acelerado e, se continuar assim, em pouco tempo estaremos apenas reclamando de que algo não foi feito.
Já se falou muito sobre a importância da preservação da Amazônia pela sua enorme biodiversidade e por sua relevância para regular o clima. O Sudeste do Brasil, a região mais populosa do país, tem um clima muito influenciado pelo que ocorre na Amazônia, em função da atuação dos chamados “rios voadores”. Se aquela região privilegiada em recursos naturais por acaso virar uma savana, o clima no Sudeste ficará insuportável.
Mas também devemos ficar atentos ao que ocorre nos outros biomas. O Cerrado também passa por acelerado processo de devastação. E é no Cerrado que estão as nascentes de importantes rios brasileiros. Se a destruição prosseguir nesse bioma, a questão hídrica também será agravada em grande parte do país.
E ainda tem o caso sensível da Mata Atlântica, que cobria originalmente mais de 1 milhão de quilômetros quadrados e, hoje, está reduzida a menos de 10% da cobertura que tinha. Apesar da Lei da Mata Atlântica e de vários outros instrumentos legais, a devastação da Mata Atlântica continua. As gigantescas tragédias em função de enchentes em Petrópolis e, mais recentemente, no Litoral Norte de São Paulo, também têm a contribuição da derrubada de cobertura vegetal em encostas.
O assunto é sério, diz respeito à cidadania planetária. O relatório do WRI trouxe mais um dado muito inquietante. Os números indicaram que a perda de floresta primária, equivalente a 11 campos de futebol, representou um aumento de 10% na destruição de florestas em relação a 2021, ano em que, na COP-26 em Glasgow, Escócia, um conjunto de 145 países assinou declaração conjunta sobre a urgência de proteção das florestas, como medida estratégica para frear o aquecimento global e, ao mesmo tempo, a cada vez mais rápida erosão da biodiversidade.
Em outras palavras, a maior devastação em 2022 confirma que, apesar das eventuais boas intenções das lideranças políticas, a escalada da destruição continua, e apenas será de fato barrada com a ação cidadã, de uma cidadania ativa, em benefício da atual e das futuras gerações. Enfim, proteger as florestas é um compromisso de todos, dos governos, das empresas, da sociedade civil em geral. E isso vale tanto para a Amazônia como para aquela porção de mata que está ali, ao nosso lado. Ela também integra a grande teia da vida.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]