As tragédias que chocaram Campinas, decorrentes das quedas de árvores nos meses de dezembro e janeiro, seguem mobilizando especialistas e representantes do Executivo e do Legislativo. Em 28 de dezembro de 2022, uma figueira branca localizada no Bosque dos Jequitibás caiu na Avenida General Marcondes Salgado, atingindo um veículo. O motorista Guilherme Silva, de 36 anos, morreu na hora.
No dia 24 de janeiro, a queda de um imenso eucalipto (entre 15m e 20m) na área próxima aos pedalinhos e à pista de caminhada da Lagoa do Taquaral, matou a menina Isabela Tiburcio Fermino, de 7 anos, que estava com a família no parque para comemorar o aniversário de uma prima. Uma mulher que caminhava na pista feriu-se gravemente, foi para a UTI, mas teve alta.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) chegou a ser cogitada na Câmara Municipal de Campinas, mas não houve apoio.
O contexto dessa mobilização passa, obviamente, pela negligência que pode ter ocasionado a morte de Guilherme e de Isabela. Equipes sem estrutura, falta de inventário do conjunto arbóreo da cidade e eventual inércia de quem deveria agir para evitar os acidentes complementam esse roteiro que coloca o campineiro de olho nos agentes públicos.
Como não houve adesão à CPI, uma Comissão Especial de Estudos (CEE) foi instaurada na Câmara de Campinas. Ela é presidida pelo vereador Paulo Gaspar (NOVO), mas não tem poder de investigação. Ela colabora com o debate público, na medida em que convida os envolvidos no tema a participar das reuniões e propõe alternativas ao problema. Uma CEE também não pode convocar os agentes públicos ou privados para prestar depoimento.
Na justificativa para criação da CEE, o parlamentar lembra que “a cidade de Campinas é a segunda metrópole mais arborizada do País, segundo estudos divulgados pelo IBGE em 20221, com 88,4% dos domicílios em áreas arborizadas”. Segundo o vereador, Campinas fica atrás apenas de Goiânia (89,5%), entre os 15 municípios com mais de um milhão de habitantes no País. O índice nacional, segundo a pesquisa, é de 68%.
“Apesar do índice elevado, há regiões na cidade com pouca ou nenhuma arborização, o que contribui para a formação de ilhas de calor e pior qualidade de vida de quem reside no local”, destaca Gaspar.
“Outro ponto a se destacar é que as árvores, como qualquer ser vivo, possui um ciclo de vida e pode ficar doente ou morrer em razão da idade e das condições de cuidado”, continua.
O vereador pontua que “há inúmeros relatos de munícipes de que pedidos de poda e extração de árvores feitos pelo 156 e pelo Portal do cidadão não são atendidos pela Prefeitura Municipal”. O tema é um dos que mais irritam os campineiros. “Os munícipes aguardam anos pela resposta ou solução do problema que nunca vem”, afirma o veador.
“Necessário que esta Casa de Leis ouça a população de Campinas para identificar os problemas existentes e ao seu final apresentar sugestões de ações aos envolvidos no cuidado das árvores da nossa cidade”, finaliza, ao propor a CEE.
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Primeira reunião
O primeiro encontro da CEE ocorreu na última sexta-feira (veja vídeo acima da TV Câmara). Um dos nomes que poderia compor a reunião era o do secretário Ernesto Dimas Paulella, responsável pela Pasta de Serviços Públicos, diretamente envolvido nas ações de controle das árvores no cenário urbano. Alegando incompatibilidade de agenda, ele não compareceu.
No encontro, a presidente da ONG Resgate Cambuí, Tereza Penteado, fez uma apresentação onde enumera o que considera “descaso” da Prefeitura de Campinas em relação ao tema.
Ela é uma das principais críticas das políticas públicas de gerenciamento do conjunto arbóreo urbano. Ela observou que a negligência é “histórica” na cidade e apontou legislações e situações que, na sua visão, reforçam um desleixo público sobre o assunto.
Na reunião a engenheira agrônoma Rosana Negreiros, especializada em gestão ambiental e também integrante da ONG Resgate Cambuí, destacou o crônico problema do gerenciamento da arborização em Campinas e teceu críticas à intervenção da Prefeitura, que na semana passada removeu 27 árvores da Rua Abolição. “Ela considerou a atitude e a cena da rua que perdeu o seu verde como “desoladoras”.
A Comissão Especial de Estudos sobre a Arborização Urbana de Campinas tem como membros os vereadores Zé Carlos (PSB), Cecílio Santos (PT), Paulo Haddad (Cidadania) e Paulo Bufalo (PSOL).
Outro lado
A Prefeitura de Campinas tem reiterado que não houve negligência nos episódios de queda de árvores que resultaram em morte. O secretário Ernesto Dimas Paulella e laudos apersentados pelo poder público ponderam que os dois casos têm relação direta com o excesso de chuva, que encharcou o solo. Tanto a figueira branca que caiu no Bosque quanto o eucalipto que desabou na Lagoa do Taquaral estavam sadios, segundo a Prefeitura.
Há pelo menos três semanas, o site oficial da Prefeitura de Campinas traz um vídeo do engenheiro ambiental Alan Franco de Oliveira, que coordena o Inventário de Arborização Urbana da cidade. Ele narra um pouco do projeto em desenvolvimento desde 2020 e indica os caminhos para os campineiros checarem as informações no próprio site. “O objetivo desse inventário é verificar as condições fitossanitárias dos indivíduos arbóreos do Município de Campinas”, aponta Oliveira. De acordo com ele, o estudo já alcançou 30 mil árvores até agora.
O link é direcionado para o Departamento de Parques e Jardins (DPJ), responsável pelo trabalho. Segundo Oliveira, com base nas informações do inventário, os técnicos da Prefeitura podem tomar as decisões de “poda, remoção ou qualquer outro indicativo”.