Há um tempo atrás, ouvi uma pergunta de uma pessoa que respeito muito e fiquei refletindo. A pergunta era: ‘em uma conversa, quando falamos o que falamos, estamos querendo coconstruir ou exterminar a perspectiva do outro?’
Isso ecoou em mim de uma forma bem forte! Me fez pensar nas relações, nas formas como interajo, comportamentos que já tive e em muitas observações que faço em contextos diferentes do meu convívio.
Eu sempre fui conversador. Desde a escola, eu era aquele da turma do fundão – que fazia tudo que precisava da aula rápido e a partir daí, me juntava para conversar com os meus amigos. Ao longo da vida, percebi que tinha a habilidade de interagir com o outro e que as pessoas reconheciam. Isso acabou se tornando um ponto forte nos meus trabalhos, na faculdade, com amigos, com a família e nas paqueras da vida.
Porém, quando olho para trás, percebo que, em muitos momentos eu, ao começar a ouvir o outro e perceber que tínhamos opiniões diferentes, me apoderava dessa capacidade de uma forma onde o meu objetivo era simplesmente exterminar a perspectiva do outro para que o outro passasse a concordar comigo e, em suma, fazer o que eu tinha pensado/dito que era o melhor.
Fico aqui pensando o quanto de oportunidade de aprendizado eu perdi, simplesmente por não parar para escutar o outro de verdade, como a etimologia da palavra traz: “A palavra conversar vem do latim conversare, que originalmente significava conviver com alguém. Conversare vem da raiz verso, que significa voltar, virar ou direcionar para algum lado. O prefixo com- vem de cum, que significa junto com ou na companhia de alguém. Assim, conversare transmite a ideia de se virar para junto de alguém, ou virar sua atenção para uma pessoa”.
Mais que não escutar de verdade (ou me virar para o outro), eu sei que, às vezes, não escutei com respeito. Por que digo isso? Porque ao me ancorar nas minhas verdades e me fechar nelas, sem dar espaço para que o outro incluísse as suas perspectivas, visões, histórias, vivências e memórias, eu assumo que não tenho nada para aprender.
Uma autossuficiência de argumento e de “já sei”, que ingenuamente desconsidera que o mundo é impermanente, está constantemente se complexificando e que eu nunca tenho todas as informações, independentemente do quão especialista eu me considere em algum tema. Logo, uma falta de respeito com o outro que está interagindo comigo.
Percebi que isso começou em mim, em uma parte da juventude onde eu estava buscando ser o conhecedor. Ser o cara. Ser reconhecido por algo e por alguéns e ficar provando o meu valor. Em algum momento eu achei que precisava ter mais respostas do que perguntas e, creio, que essa seja uma das maiores ciladas para que uma conversar seja agradável, mesmo se discordarmos.
Digo isso considerando que, para fazer perguntas, eu preciso estar atento ao outro, suas perspectivas e pontos de vistas. Escutar para entender e não simplesmente ouvir já pensando nas respostas que eu vou dar que poderão quebrar esses pontos de vista. Até porque, se eu quero quebrar/exterminar o ponto de vista ou demonstrar o erro, isso geralmente evidencia o meu medo de estar errado e de ser quebrado.
Mas, então Jonas, você está me dizendo que eu não posso discordar de ninguém mais? Claro que pode. A questão é sempre o como! E este como passa diretamente pela nossa intenção nesta conversa.
Em uma interação com o outro onde a minha intenção é coconstruir uma conversa, o meu posicionamento é de abertura, é de troca, é de aprendizado e isso faz toda a diferença para o resultado daquela interação. Repare que, as vezes que estamos assim, as nossas palavras são mais cautelosas e doces, nosso semblante é tranquilo e a nossa sensação interna é leve!
Quando a intenção é exterminar a perspectiva do outro, a chance de dar errado e sairmos dali magoados, incomodados e, muitas das vezes, rompendo relacionamentos ou gerando afastamento é muito grande. Usamos palavras mais fortes, que ferem o outro (e não acrescentam em nada na conversa), nossa cara fecha, nos inconformamos externamente e demonstramos com acenos contrariados de cabeça, vermelhidão no rosto e no pescoço, olhos cerrados e o pior, internamente, nos sentimos uma bomba, com o coração disparado, as vezes trêmulos, quentes e suando. Algumas destas características que são bem parecidas de animais não racionais quando estão atacando suas presas.
E o que será das interações, discussões e aprendizados se tratarmos os outros como presas? Como evoluiremos enquanto espécie em um mundo onde todo mundo concorda comigo e faz só o que quero? A intenção é evoluir ou manter tudo do jeito com o qual eu sei lidar? Como ficam as minhas interações com as pessoas que eu amo, mas que tem visões diferentes de mim? Vale mesmo a pena, ao buscar exterminar um ponto de vista, exterminar também aquela relação?
Cada um tem a sua resposta para isso, mas a minha é não.
E, por isso, seguirei dia a dia mais atento a forma como eu me coloco em uma interação. E dar-se conta dos comportamentos que não queremos mais cultivar é o primeiro passo para mudança. Parar de fazê-los é o segundo. E, a partir disso, construir o como eu quero agir diante destes cenários que, inicialmente, são desafiadores para mim é a forma que temos de criar novos caminhos em nossa cabeça para interagirmos, não mais a partir do medo, mas sim, a partir da curiosidade de aprender.
Jonas Santos, de 28 anos, mora em Campinas desde os 7 anos e acredita que por meio da educação pode melhorar o mundo dele e dos outros