Tão triste andar pelo Centro de Campinas depois que a pandemia chegou para permanecer por um período interminável! Táxis parados nos pontos, lojas desatualizadas tentando vender mercadorias do estoque, outras transformando o espaço que era de roupas para agora ser de moda casa, tudo meio improvisado. Aliás, a vida segue meio assim, improvisada, sem planos e expectativas.
Saudade de quando tomava café da manhã na Orly, a padaria que fechou antes do coronavírus modificar nossa rotina.
Era um ponto de encontro, todos ali, no balcão, café, pão na chapa e suco de laranja, sem a preocupação de ter álcool em gel na bolsa ou no balcão. Crianças, jovens, adultos, todos juntos na hora do almoço, comida caseira, funcionários simpáticos a servir com interesse a clientela.
Ainda bem que o Café Regina continua firme e forte, se bem que, com as restrições do momento, fica um distante do outro, mesinhas separadas, canudo para tomar o suco sem encostar a boca no copo, e xícara bem quente e higienizada para dar mais segurança ao cliente. Somamos tantas neuras nessa nova rotina que, na maioria das vezes, deixamos de fazer o que antes era um hábito saudável.
Não marcamos mais nada nos cafés, tudo para ficar bem longe do vírus. Claro que tem que ser assim, mas isso cansa e entristece.
Na Barão de Jaguara, sinto falta de uma loja de colchões, mais pra baixo da livraria que ficava perto da Orly, e na Glicério dá um aperto no peito ao ver a Papelaria e livraria Modelo fechada, da mesma forma que causa decepção não encontrar mais uma casa com utilidades do lar que era uma mão na roda. São endereços que se misturam às nossas vidas, e cada um que encerra seus serviços nos faz pensar no número de pessoas que ficam desempregadas.
Até a loja chinesa que tinha ali na esquina da Glicério com a Campos Salles está fechada, se bem que os chineses continuam com muitas portas abertas, meio donos do pedaço, preços mais altos, isso dá pra notar. Tudo muito descaracterizado, como se Campinas não tivesse mais um Centro com a sua cara, seu sotaque, seus costumes.
Visito a loja de departamentos perto da Catedral e me encanto com a variedade de tapetes.
Um locutor incrementa as vendas ao destacar opções em moda cama, mesa e banho. No final do expediente, coloca a máscara e se despede das colegas. Uma delas pergunta: “Vai pra São Paulo amanhã? Se cuida!”. O “se cuida”, ouço aqui e ali, forma que os funcionários das lojas encontraram para substituir o “até amanhã”, agora sem beijos e abraços, tudo muito discreto.
Na farmácia, um senhor tenta encontrar um remédio a preço acessível para curar sua dor muscular, mas muitos medicamentos estão excessivamente caros, mês a mês. Já no mercado, apenas os legumes e algumas frutas são colocados nos carrinhos, consumidores atentos aos gastos, dinheiro contado para passar os próximos quinze dias, até o salário cair de novo na conta. A bolacha saborosa que antes custava R$ 3 o pacote, agora fica meio desprezada na prateleira, a R$6,50.
Observo de longe a feirinha do Carmo. Adorava comprar brigadeiros para as amigas do jornal, pães para os plantões, de vez em quando pamonha e bolo de milho. Tudo continua ali, à minha espera, mas os cuidados me impedem de circular pelo local com desenvoltura, sem pensar em contágio. Agora em home office, adeus guloseimas, mas mesmo meio distante, continuo a admirar aqueles nobres trabalhadores em suas barracas criativas.
Na casa de bolo Vó Alzira, pertinho da feirinha do Carmo, costumava sentar para tomar um cafezinho caseiro e escolher bolos para dar de presente nos aniversários. Hoje paro menos, nossos hábitos mudaram. Muitos, como eu, ficaram mais metódicos, neuróticos, excessivamente temerosos, mas não vejo outra forma de passar por isso mais rápido, e olha que esse rápido está cada vez mais distante.
Ao passar pela Tomás Alves, outra decepção.
Se no passado a rua era a mais chique do Centro, com lojas de grife e vitrines de bom gosto, hoje é um sem fim de portas fechadas, tomara que por pouco tempo.
Sinto falta do charme das butiques, do alto padrão das mercadorias, dos brincos e pulseiras de marcassitas, dos vestidos de festas, dos sapatos exclusivos, tudo muito especial.
Mesmo assim dá vontade de entrar nas lojas para conferir as novidades, descer a Treze de Maio em paz, observando cada nuance. Quando olho, meio de longe, já percebo quantas portas fechadas continuarão fechadas. Torço para que os comerciantes consigam se reerguer, com fé, coragem e incentivos.
Preservar o Centro de uma cidade é imprescindível. É nele que encontramos o jeito de ser dos habitantes, seus encantos, sua cultura, seu sabor, seu ritmo. Sem ele, parece que a cidade perdeu a identidade.
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]