O maior desafio para a sustentabilidade global nos dias atuais é o enfrentamento da crise climática em rápido avanço. As mudanças climáticas em curso são resultado do lançamento de gases na atmosfera, derivados da queima de combustíveis fósseis à base de carbono: petróleo, carvão e gás natural.
Descarbonizar a economia mundial não é, entretanto, uma tarefa fácil, muito pelo contrário. A sociedade como conhecemos hoje foi construída à base dos combustíveis fósseis, que há décadas representam mais de 80% do mix de energia consumida no planeta. Hoje ainda se usa fósseis em grande número de atividades cotidianas.
Nos últimos anos, como decorrência da mobilização de ambientalistas, cientistas e sociedade civil em geral, e também do avanço de novas tecnologias, tem ocorrido um incremento no investimento e no uso das chamadas fontes limpas ou renováveis de energia, como a solar, a eólica e a energia proveniente das usinas hidrelétricas.
Atualmente, segundo um relatório do final de 2022 da Agência Internacional de Energia (AIE), estão sendo investidos anualmente US$ 1,3 trilhão em energias renováveis. Mantido o ritmo atual, em 2030 serão investidos US$ 2 trilhões em energias renováveis.
De acordo com o mesmo relatório, para cada 1 dólar investido hoje em energia derivada de combustível fóssil, estão sendo investidos US$ 1,5 em energia renovável. Entretanto, para que as metas do Acordo de Paris, de 2015, sejam alcançadas, segundo a AIE, o investimento em energia renovável teria que ser de US$ 5 em energia limpa e de US$ 4 em eficiência energética, para cada US$ 1 dólar em energia de combustíveis fósseis. O Acordo de Paris prevê um esforço global, pela descarbonização da economia, para que a temperatura planetária aumente preferencialmente 1,5 grau até 2030. Do contrário, seria intensificada a mudança climática como está acontecendo, com escalada de furacões, secas extremas em algumas regiões e fortes tempestades em outras, como aliás tem ocorrido no Brasil.
O panorama atual não permite otimismo em termos de incremento substancial em energias renováveis, em comparação com o consumo de combustíveis fósseis. Segundo um relatório conjunto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a mesma AIE, em 2021 os subsídios governamentais para combustíveis fósseis foram de US$ 697 bilhões, contra US$ 362 bilhões em 2020, ano em que esses subsídios foram os menores da história recente, em decorrência dos impactos da pandemia.
Entre 2010 e 2014 os subsídios públicos aos fósseis se mantiveram acima de US$ 700 bilhões anuais. Os números caíram para abaixo de US$ 600 bilhões entre 2015 e 2017, mas voltaram a crescer em 2018, caindo novamente em 2019 e 2020, quando foram os menores dos anos recentes. Entretanto, chegaram a quase US$ 700 bilhões em 2021 e a expectativa é de aumento ainda maior em 2022 (número ainda não fechado) e 2023, em razão da guerra na Ucrânia.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, no final de fevereiro de 2022, foi de fato um duro golpe nos esforços internacionais contra as mudanças climáticas. A Rússia era grande exportadora de combustíveis fósseis para a Europa ocidental. Com os embargos, muitos países ocidentais aumentam os investimentos em energias sujas, ao contrário do que vinha ocorrendo.
De qualquer modo, essa guerra é mais um exemplo de como é insustentável o atual modelo de energia à base de fósseis, que sempre geraram motivos para grandes conflitos bélicos, como o que foi visto na invasão do Kuwait e do Iraque no início dos século 21.
Mas a descarbonização da economia deve continuar, pois este é o único caminho para prevenir grandes catástrofes no futuro. Um exemplo de que é irreversível é o conjunto de anúncios de investimentos em automóveis elétricos. Em sua recente viagem à China, por exemplo, o presidente Lula visitou a gigante BYD, que negocia a implantação de uma fábrica de veículos elétricos em Camaçari, na Bahia.
Em todo mundo, a comercialização de carros elétricos já está na casa de 10% das vendas de veículos. Apenas o dobro desse percentual significa uma demanda enorme de mudanças na própria arquitetura das cidades, com a necessidade de instalação de unidades de reabastecimento das baterias. Aliás, no Brasil já são comuns os anúncios de novos edifícios com garagens adaptadas para receber os futuros automóveis elétricos. Muitos novos empregos podem ser criados somente nessa frente da descarbonização, como no número de eletricistas para fazer frente às demandas.
A descarbonização, nos termos necessários para frear as mudanças climáticas em curso, exige uma adaptação ampla do parque industrial. Os desafios nesse sentido não são pequenos, como a destinação correta das baterias, para não gerar novos e indesejáveis prejuízos ambientais.
O Brasil tem uma oportunidade enorme de ganhos importantes com a urgência da transição energética. A maior parte da energia elétrica produzida e consumida no país já vem de fontes consideradas limpas, no caso, as usinas hidrelétricas. Mas também há um enorme potencial em energia solar, em um país com sol o ano todo, e eólica, com um litoral imenso e importantes possibilidades de exploração dos ventos. O uso de fontes como o etanol e outras nessa linha, onde o Brasil já detém tecnologia, também abre frentes promissoras.
Entretanto, na prática não vem ocorrendo no cenário brasileiro a transição energética com o impulso desejado. Pelo contrário, a Petrobras, maior empresa de energia no país, mantém firmes os seus propósitos de intensificar os projetos de exploração do petróleo, como no caso daqueles para a chamada Margem Equatorial, entre o Rio Grande do Norte e Amapá.
Recentemente, um conjunto de 80 organizações da sociedade civil reivindicou que o Ibama exigisse a realização, pela Petrobras, das Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares (AAAS), antes dos leilões de novas áreas de exploração de petróleo e gás, sobretudo naquela na área da foz do Amazonas. A execução prévia de AAAS é prevista na legislação brasileira desde 2012, mas nunca foi colocada em prática nos leilões sob supervisão da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Enfim, os desafios são gigantescos para a descarbonização da economia, pois os interesses políticos e econômicos e envolvidos são da mesma proporção. No Brasil e em qualquer parte.
Nesta semana mesmo está acontecendo na sede da ONU, em Nova York, uma conferência internacional de povos indígenas, em que se adverte para o fato de que as estratégias de transição energética em curso não podem ocorrer com prejuízos para os povos ancestrais.
Vários casos foram mostrados nesse sentido, como o da oposição de ecologistas a projetos de parques eólicos em terras do povo sami na Suécia. Os sami são indígenas pastores de renas seminômades. No Brasil, entre outros, há o caso da polêmica usina de Belo Monte na Amazônia, cuja construção não respeitou integralmente os direitos dos povos indígenas mais próximos.
A descarbonização ainda vai gerar muita polêmica, mas tende a ser realmente irreversível porque absolutamente necessária, desde que executada nos termos corretos e de fato sustentáveis, o que abrange as questões sociais envolvidas.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]