Mais uma vez será lembrado, neste 22 de abril, o Dia da Terra, ou Dia Mundial da Mãe Terra. A data passou a integrar o calendário socioambiental na década de 1970, muito antes do termo sustentabilidade passar a ser dominante. Dos Estados Unidos o Dia da Terra se espalhou pelo mundo e em 2023 o tema será “Investir no nosso planeta”. Uma convocação para que, juntos, governos, empresas e sociedade civil façam ações mais efetivas para enfrentar a série de crises simultâneas em curso.
Alguns fatos bem recentes indicam como, infelizmente, o Dia da Terra de 2023 não enseja muitos motivos para comemoração. Pelo contrário, são várias as razões para a cidadania global ficar muito preocupada:
Na Índia, uma onda de calor com temperaturas de mais de 40 graus está ameaçando a vida de milhões de pessoas mais vulneráveis.
Na China, tempestades de areia atingiram as cidades mais populosas, como Xangai, onde a concentração de partículas chegou a 46 vezes a mais do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Tempestades semelhantes também têm sido registradas na Coreia do Sul e Japão.
Nos Estados Unidos, uma seca extrema atingiu a Costa Oeste por um longo período. Nas últimas semanas, entretanto, chuvas intensas atingem a região, com a recuperação de alguns reservatórios que estavam quase vazios.
Seca extrema também em outra região, muito menos privilegiada. A mais intensa estiagem em 40 anos está flagelando a população e a natureza como um todo no Quênia, na Somália e na Etiópia, agravando uma situação social já trágica.
No Brasil, já comentamos sobre as fortes tempestades no Litoral Norte de São Paulo, por exemplo, enquanto o Rio Grande do Sul também enfrentou uma seca extrema.
Em 2022, a temperatura da superfície dos oceanos atingiu um recorde histórico, como uma das consequências das mudanças climáticas em curso. Os efeitos para a vida no planeta são imprevisíveis a continuar a atual escalada do aquecimento global. A previsão de que um “super El Niño” está chegando incrementa a inquietação sobre o que virá por aí.
Neste cenário, de fato o Dia da Terra será mais uma vez marcado por novos avisos sobre a grave conjunção de crises planetárias. Faz todo sentido, então, o tema deste ano, como uma conclamação à ação.
É uma excelente oportunidade para uma reflexão profunda sobre os rumos da sociedade atual. E também para ouvirmos outras vozes, por exemplo as dos povos indígenas. Não por acaso, o Dia da Terra se transformou nos últimos anos em Dia da Mãe Terra em função da mobilização de povos indígenas de vários países, como os do Brasil, Equador e Bolívia.
É uma clara referência à condição de “mãe” do planeta, de consideração da Terra como um organismo vivo. No Brasil, o Dia do Índio, lembrado a 19 de abril, foi igualmente transformado no Dia dos Povos Indígenas, como um reflexo do avanço do protagonismo dos moradores originais desse pedaço do planeta.
Depois de um massacre histórico e multissecular, os povos indígenas foram quase exterminados no Brasil. E os povos sobreviventes são a prova definitiva de um estilo de vida muito mais respeitador dos limites da natureza.
Infelizmente muitas áreas indígenas continuam sendo alvo da cobiça, como ficou claro no caso do território Yanomami, por parte do garimpo ilegal e outras modalidades de crime. A situação que se tornou catastrófica exigiu uma ação firme do novo governo federal, como há muito não se via no Brasil. Tomara que seja um indicativo real de que a atenção para os povos indígenas será maior nos próximos anos por parte dos poderes públicos e sociedade em geral.
Nos últimos tempos, vozes como as de Ailton Krenak, um dos mais importantes pensadores indígenas atuais, estão sendo ouvidas em universidades e espaços pelo mundo todo. E por toda Amazônia, onde está a maior parte dos indígenas brasileiros, pulsam organizações e redes em defesa dos direitos dos povos autóctones e contra a desinformação que continua firme e forte, a descaracterizar e a mistificar sua cultura, suas crenças, seu modo de vida em geral.
O projeto “Combate à desinformação sobre a Amazônia Legal e seus defensores”, que reúne Intervozes, Casa Ninja Amazônia, Jovens Tapajônicos e outras organizações, é uma das iniciativas visando combater as fake news que circulam sobre os povos indígenas e a Amazônia toda, dando continuidade aos mitos históricos construídos no período colonial.
A Terra é a nossa casa, uma casa comum de todos. Os povos indígenas vivem intensamente essa visão.
Nesse Dia da Mãe Terra, de tantas ameaças nos rondando, mais do que nunca é hora de ouvirmos outras vozes, além de nossas fronteiras mentais tradicionais.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]