A medicina vem, nas últimas décadas, avançando de forma rápida, com métodos diagnósticos e terapias cada vez mais inovadores e personalizados. Mas há um tratamento médico que segue ainda dependendo de um tipo de matéria-prima único, especial, e somente de seres humanos especiais: as transfusões sanguíneas. E este composto único, muitas vezes raro e com tantas aplicações importantes é o sangue de um doador.
Enquanto aguardamos o momento em que se possa produzir sangue em laboratório em larga escala (e diversos centros no mundo estão pesquisando como fazê-lo, ainda que parcialmente), os pacientes que precisam de transfusões têm como única possibilidade o sangue doado. Talvez jamais tenhamos todos os componentes do sangue sintetizados em laboratórios, considerando os diversos tipos sanguíneos e os mais diferentes produtos (concentrados de hemácias, plaquetas, plasma etc.), as instituições que lidam com esses produtos precisam de um robusto arcabouço de tecnologia e profissionais habilitados, mas principalmente de muitos doadores.
Para se ter uma ideia dessa grandiosidade, na região de Campinas especificamente, o Hemocentro da Unicamp abastece 67 hospitais distribuídos em 40 cidades. Em 2022, a instituição contabilizou a incrível marca de 63.251 bolsas de componentes do sangue distribuídas!
Isso só foi possível graças ao altruísmo e disponibilidade de 85.527 cidadãos candidatos à doação. Para atender de forma satisfatória a todos eles, o Hemocentro dispõe de Postos de Coleta fixos – dentro da Unicamp, no Hospital Mário Gatti, no Hospital Estadual de Sumaré e no Hemonúcleo de Piracicaba – além de coletas itinerantes em empresas, universidades, escolas, shoppings e muitos outros parceiros da região.
Mas, apesar desses números de candidatos e doações parecerem altíssimos eles, infelizmente, ficaram abaixo do ideal em 2022, com alguns momentos mais críticos que levaram alguns hospitais a inclusive precisarem adiar cirurgias, acarretando grande impacto na vida dos pacientes. Esse, de fato, é um problema global, e apesar de ter se acentuado na pandemia de Covid-19. Isto já era previsto, na medida em que há um envelhecimento progressivo das populações.
Este contexto epidemiológico leva a um aumento de demanda por procedimentos médicos complexos com potencial para grande uso de sangue, como cirurgias cardíacas, transplantes e quimioterapia do câncer, em paralelo a um contingente menor de indivíduos jovens com potencial para doação. O temor sempre é que essa conta não feche, tendendo a aumento de uso sem estoque adequado.
A boa notícia é que muito em breve os moradores da região metropolitana de Campinas vão poder contar com uma nova e importante opção para desempenharem esse importante ato de amor ao próximo e ajudar com a manutenção dos bancos de sangue. Além de localizado numa região central e privilegiada de Campinas, o novo Posto de Coleta “Lazaro de Souza” contará com uma estrutura modernizada, mais ampla e funcional para atender os candidatos à doação.
Esse projeto vem há anos sendo idealizado como uma parceria fabulosa entre o Hemocentro da Unicamp e a Prefeitura Municipal de Campinas, através da Secretaria de Saúde e a Rede Mario Gatti, e está prestes a sair do papel. As equipes se uniram para pensar num projeto que atenda todas as necessidades para essas atividades, e o terreno já foi reservado pela prefeitura, estando a execução das obras já em fase de planejamento.
A nova unidade irá substituir o atual Posto de Coleta do Mario Gatti. Mas o projeto trará bem mais do que isso. Além da facilidade de localização, próximo aos terminais centrais e BRT, o espaço será maior, com um projeto de arquitetura moderno, com melhor acessibilidade, áreas verdes e estacionamento facilitado. E trará importantes inovações, como a possibilidade de coleta de hemocomponentes por aférese – uma forma de coleta automatizada, em que é possível coletar componentes específicos do sangue – como apenas as hemácias ou apenas as plaquetas – com maior rendimento e que também costumam atender a pacientes com demandas específicas, como no caso de tipos sanguíneos raros e pacientes em tratamentos como quimioterapia e transplantes.
A perspectiva é muito boa, os serviços de saúde e os pacientes da região só terão a ganhar, mas vale a pena lembrar que quem precisa de sangue hoje não pode esperar!
Como comentado anteriormente, ainda não é possível fabricar sangue “artificial” nem comprar sangue em farmácias, como acontece com outros medicamentos. Então, se você apresenta boas condições de saúde e atende aos critérios para doação, reserve um pouquinho do seu tempo para entrar nessa corrente de solidariedade. E se você não pode doar por qualquer motivo, há muito o que ajudar também – espalhe essa notícia!
Vamos lembrar familiares e amigos de que esse é um assunto que não deve surgir apenas quando alguém por perto precisa – porque sempre haverá o “alguém de alguém” precisando…
Carmino Antonio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020, Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022.
Bruno Deltreggia Benites é médico Hematologista e Hemoterapeuta, com Residência Médica e Doutorado pela Unicamp, especialista em Gestão de Hemocentros pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/ Fiocruz e atual coordenador da Divisão de Hemoterapia do Hemocentro Unicamp, onde também atua como médico assistente e pesquisador.