Tem dias, cantava Chico Buarque, que nos sentimos “como quem partiu ou morreu” e, ansiosos, achamos ser possível controlar o destino. Como não podemos, ligamos o modo dor e nos perdemos em “longa e sinuosa estrada” escura. A autodefesa nos faz recorrer a Vinícius de Moraes que, com Toquinho, cantava: “mas não tem nada não/ tenho meu violão”. Então, acendemos o modo desativar armadilha e fugimos para um lugar onde a luz veda a entrada da treva.
Nessas horas, há duas opções: assistir a uma tragédia ou uma comédia. Se a opção for a primeira, poderemos ouvir um desolado Romeu se lamentar de “como são longas as horas tristes”. Se for a segunda, poderemos deparar com o alter ego de Woody Allen falando do medo dele em relação à expansão do universo.
E, se, em vez de uma ou de outra, escolhermos o meio-termo existente na comédia dramática? Ela faz as vezes da rede de segurança, pois evita o trágico e se utiliza do riso como forma de lidar com dramas cotidianos. “Lola e seus Irmãos” (Lola et ses frères, França, 2018, 105 min.), de Jean-Paul Rouve, se encaixa nesse perfil.
Está certo que o humor francês não funciona muito no Brasil. Talvez porque ele pareça não ter ginga. Ou seja óbvio. Mas tem certa ingenuidade – o que não deixa de ser atraente. É verdade que as piadas no cemitério soam artificiais.
E a tentativa de explorar o humor das entrelinhas e o depreciativo (no qual os ingleses são imbatíveis), parece, não combinar com os franceses. Seja como for, as cenas feitas para serem engraçadas estão o tempo todo nos avisando para que não caiamos na tal armadilha.
Como a situação da família, sem os pais, na qual Lola (Ludivine Sagnier), apesar de bem mais jovem, faz as vezes de mãe dos irmãos marmanjos Benoît (o próprio diretor) e Pierre (Jose Garcia). Os três são meio infantis (talvez, Lola, seja a mais madura), assim como Sandra (Pauline Clément). Mas se o objetivo é fugir da estrada escura, embarcamos nas peripécias desses personagens.
Benoît está no terceiro casamento (desta vez, com Sandra), Pierre, que trabalhava com explosões de prédios, fica desempregado. E perdido – separado da mulher e do filho que foi estudar em Cambridge. Lola, jovem advogada, também vai se casar – com Zoher (Ramzy Bedia).
O roteiro do próprio diretor (com o escritor David Foenkinos) se dá bem ao realçar a história de cumplicidade entre irmãos, tema pouco comum no cinema. Porém, força a barra para encaixar a correção política na história.
O homem que detonava prédios investe em atividade mais edificante; Lola se une a um árabe e fará algo radical para agradar o marido e agradar a plateia – além disso, Zoher é o melhor dos homens, pois se desdobra em atenções à mulher, cozinha, lhe oferta flores. O que mais poderíamos desejar tendo alguém assim ao nosso lado?
Perceba que não faltam senões aqui e ali, mas não nos esqueçamos que optamos pela não tragédia; portanto, mesmo os dramas mais profundos ganham ares de leveza. Pode ser o desemprego, a impossibilidade de gravidez, certo estranhamento com o namorado árabe de Lola.
Mas o que importa é que o filme busca a leveza e faz os personagens encarar os dramas com resiliência; podem chorar, sim, mas não desabam, e se adequam às novas experiências da vida sem se deixar abater, na certeza de que novos dias trarão ventos também novos e tudo pode mudar.
“Lola e seus Irmãos” é isso. Não quer ser mais do que se propõe a ser: um filme em que todas as histórias se encaixam. E cuja atmosfera vem ao encontro da nossa carência naqueles dias que, parece, alguém partiu ou morreu. Mesmo que seja uma fuga, por que não abstrair? Não temos controle sobre a vida? Mas temos o violão. Nada mal.
“Lola e seus Irmãos” estreia nesta quinta-feira (30) nos cinemas
João Nunes é jornalista e crítico de cinema