Rara leitora, raro leitor, não há mais como negar: os seres do sexo masculino têm toda uma dívida histórica com as mulheres ao longo da existência humana. Em praticamente toda a crônica de nossa existência, as mulheres sempre foram oprimidas, maltratadas, relegadas a um papel inferior. Os raros momentos em que elas venceram foram por mérito somente delas, de sua força, de sua rebelião.
As religiões ocidentais prestaram papel importante na perpetuação dessa submissão.
Nos relatos de criação, primeiro aparece o homem, e depois a mulher, em segundo plano). No judaísmo e na sua derivação, o cristianismo, primeiro aparece a formação do homem (Adão) e depois a formação da mulher (Eva). Mas tal mito passou por transformações. Antes da criação de Eva, havia Lilith. No Talmud (que é uma coletânea de textos judaicos “paralelos” ao livro sagrado judaico), ela é criada da mesma forma que Adão, mas ao invés do barro, as “mãos divinas” teriam usado lodo e fezes para moldá-la, só demostrando o teor machista e misógino do livro.
Lilith teria se revoltado contra Adão, pois exigia direitos iguais tanto no relacionamento como no ato sexual. A rebelião de Lilith contra a “superioridade” masculina tornava-a uma figura muito problemática para o judaísmo. Assim, ela teria voado para o Mar Vermelho e deixado Adão, e também o cânon bíblico.
E depois aparece a lenda de Eva que nos chegou – Adão diz: essa, AFINAL, é osso dos meus ossos. Se antes ele tinha uma mulher que lutava contra ele por direitos iguais, essa Eva agora era criada a partir de uma parte sua; submissa, mas também pecadora, pois ela desobedeceu, comendo do fruto da árvore proibida e dando também ao seu marido (note que entre Gênesis 1 e 3 há dois relatos distintos da criação do mundo e dos seres humanos. Provavelmente foram dois mitos paralelos que foram juntados posteriormente).
E o machismo continua no livro. Os principais personagens da narrativa do antigo testamento (a maioria não históricos) são homens: Abraão, Isaque, Jacó; Moisés; Davi e Salomão.
No cristianismo, Jesus é o filho homem de Deus. E reúne 12 apóstolos. Todos masculinos.
O profeta Maomé, no islamismo, também é macho. E pode ter uma variedade de mulheres, direito que não é dado a elas.
Deus sempre serviu ao propósito de justificar os reis, os faraós, os tzares, mas fundamentalmente, os seres de sexo masculino, os homens!
Parafraseando uma importante frase, em uma sociedade machista, não basta não ser machista, é necessário ser antimachista, e lutar com as armas do feminismo.
Fico muito feliz de ver cada vez mais “Liliths” lutando, vencendo. É uma luta desigual, perversa, suja. Mas as mulheres são portadoras de uma força incomum! E o primeiro passo para vencer é saber de sua condição de rejeitada e oprimida.
Lutem, Liliths, não desistam!
Gustavo Gumiero é Doutor em Sociologia (Unicamp) e Especialista em Antigo Testamento – w.gustavogumiero.com.br – @gustavogumiero