Nos anos de atravessamento da pandemia, o confinamento que forçou milhões de crianças a trocar o ensino presencial pelo ensino remoto, precário e desestruturado, deixou uma coisa ainda mais clara: os espaços de educação são imprescindíveis para a formação de pessoas dotadas de senso crítico, empatia e racionalidade.
Embora as atividades presenciais tenham sido quase que totalmente retomadas nas escolas, a “nova normalidade” pós-pandêmica incorporou vícios trazidos como sintomas do isolamento social, além de naturalizar padrões comportamentais esculpidos pelo neoliberalismo apoiado no imediatismo, no individualismo e na mercantilização das relações sociais humanas.
Não bastassem os exemplos explícitos da importância de investimentos em educação e pesquisa para avanços científicos e tecnológicos na produção de vacinas e enfrentamento de emergências na área da saúde, os eventos climáticos extremos dos últimos meses servem, também, como provas da urgência de repensar modelos educacionais e a função socioecológica do ensino.
Enquanto oportunistas vendem cursos sobre como ficar rico sem trabalhar e salvar a alma subornando entes imaginários, o discurso de ódio infesta as redes sociais, criando um ambiente conspiratório, alarmista e reacionário completamente avesso à ciência crítico-reflexiva, propositiva de soluções realistas que podem, de fato, ser úteis no combate a problemas crônicos como fome, miséria, desabrigo, degradação ambiental, exploração econômica, racismo, violência sexual, mudanças climáticas e guerras entre povos e nações.
A educação pública no Brasil continua sendo sucateada e retaliada pelos interesses de governantes-empresários que colocam ambições pessoais acima da garantia de direitos sociais à população; o ensino privado, com raras (e caras) exceções, cada vez mais é reduzido às fábricas de diplomas sob demanda, vendendo como liberdade e flexibilidade um ensino instrumental raso e genérico que reafirma a prevalência das heranças sobre a meritocracia.
Dinheiro público e privado se esvai nos ralos da corrupção, esvaziando projetos de fomento a pesquisa, inovação tecnológica, produção científica e humanização das relações interpessoais, ao passo que investimentos bilionários garantem verbas para propaganda política e marketing empresarial disfarçados de educação empreendedora.
De um lado, espaços improvisados, muitas vezes sem lousa e giz, sequer, em barracões de sucata ou até mesmo no relento, onde pessoas dedicam-se com pouca ou nenhuma remuneração a transmitir conhecimentos básicos que ao menos auxiliem pessoas em vulnerabilidade socioeconômica a sobreviver. De outro, laboratórios hipermodernos equipados com computadores de última geração, ar-condicionado e tantos outros recursos subutilizados por um ensino supostamente profissionalizante, mas que não dá conta de ensinar pessoas privilegiadas a lidar com frustrações, conviver com as diferenças, reconhecer direitos coletivos ou necessidades além das suas.
Entre esses dois extremos, crianças, adolescentes e jovens, constantemente desencorajados pelas circunstâncias de um futuro pouco otimista, carentes de afeto a atenção da própria família, são influenciados por exemplos fajutos que viralizam na internet, na maioria das vezes desprezando a educação que ensina a pensar com criticidade e autonomia, exaltando a ostentação do consumismo e o triunfalismo da mediocridade.
Em quase dez meses de governo, Lula e Camilo Santana, Ministro da Educação, não se mostraram preocupados com a perversa reforma do Ensino Médio, que segue em curso, ao lado da reforma trabalhista, consolidando os planos de precarização da educação e perpetuação da exploração socioeconômica abertamente defendida após o golpe de 2016 e durante o governo Bolsonaro, negacionista e idólatra da ignorância.
Há algo mais urgente a ser abordado nos espaços de diálogo, acolhimento, reflexão e produção de conhecimentos do que soluções para as muitas crises que se agravam diante do avanço da exploração socioambiental predatória? Ansiedade, depressão, estresse, exaustão, infelicidade e um mal-estar generalizado entre as pessoas indicam que estamos caminhando no limiar de um abismo que não pode mais ser contornado com remédios, palestras motivacionais e nem mesmo com muito dinheiro.
Já não passa da hora de priorizar a formação de pessoas humanizadas, empáticas, funcionais, autocríticas, capazes de cooperar e conviver de forma respeitosa com as diversidades, enfrentando com ética, criatividade e responsabilidade as adversidades, ao invés de continuar treinando indivíduos maquínicos, programados para competir e exercer funções repetitivas e alienantes, reprodutores dos padrões de comportamento, estética e consumo que estão nas raízes do colapso civilizatório do nosso século?
A fantasia do progresso utilitarista do capitalismo neoliberal precisa ser superada.
Albert Einstein, um dos maiores gênios do século XX, teria afirmado não saber como seria uma terceira guerra mundial, com armas possivelmente piores do que as bombas atômicas usadas durante a segunda, mas que a quarta seria travada com paus e pedras. Diante do poder de influência de pessoas que negam a existência da gravidade e o formato esférico do planeta Terra em plena era informacional, talvez a afirmação ganhe outro significado.
Tão devastadora quanto um holocausto atômico, tem sido a negligência de lideranças e da população em geral ao minimizar as consequências das mudanças climáticas, das violências estruturais e da corrosão da Educação como pilar edificante de civilizações que pretendem ser democráticas. Em alguns séculos, ou mesmo décadas, é possível que paus e pedras simbolizem a involução humana, num processo desencadeado pela ignorância voluntária, fazendo as sociedades retrocederem a um estágio primitivo e animalesco, até hoje reproduzido e defendido, ainda que nas entrelinhas, pelo ultraconservadorismo.