Enfim chegamos ao final de 2023. Os anos de 2020 e 2021 foram dramáticos para a humanidade e absolutamente terríveis para a saúde pública de todo o mundo. Em 2022 começamos a retornar lentamente e de maneira “desconfiada” à “normalidade”. Em 2023, tivemos um ano que poderíamos dizer, muito assemelhado ao passado sem, entretanto, ter eliminado de vez o “fantasma” do SarsCov2 e a Covid-19.
Nenhuma das gerações que hoje habitam a Terra viveu ou esperava viver uma crise sanitária como a da pandemia. Foram mais de seis milhões de mortes em todo o mundo e centenas de milhões de casos distribuídos por todo o planeta, e disto não devemos esquecer jamais.
Infelizmente, as estimativas, certamente, são de números muito maiores do que realmente foi contabilizado através do mundo. A mortalidade durante a pandemia foi tão importante que reduziu de maneira global a expectativa de vida em praticamente todos os países. E as vacinas, hem! Impressionante como elas foram capazes de arrefecer a pandemia em muitos países e também no Brasil, apesar do negacionismo inaceitável ainda prevalente aqui e no mundo.
A existência e a estrutura do SUS, em cada ponto de nosso território, e a tradição e aceitação por parte da população de vacinar que vem da década de 1960, quando as primeiras campanhas de multivacinação começaram, fizeram toda a diferença. A vida cotidiana felizmente seguiu e ela é muito mais ampla e complexa do que a que vivenciamos na pandemia.
Na saúde pública, esperávamos grandes rebotes em várias áreas e vieram. Por dois anos muita coisa ficou para trás e tiveram que ser enfrentadas com organização e priorização. Tenho discutido e continuo alertando que a oncologia, possivelmente, é uma das áreas mais desafiadoras. Neste período de pandemia, milhões de procedimentos de rastreamento, diagnóstico e terapêutica, clínica e cirúrgica, ficaram sem execução.
Devemos recuperar na rede de atenção básica, as melhores práticas de pré-natal e assistência ao parto. Neste período de pandemia, infelizmente, tivemos uma piora também na mortalidade infantil e materna. Tivemos uma preocupante redução da cobertura vacinal em nossas crianças e adolescentes. Tivemos ainda um não menos preocupante recuo no número de transplantes de todos os tipos, em alguns casos este recuo foi de décadas, como no transplante de córnea. Mas, de modo geral, todos os transplantes sofreram uma piora nunca visto.
No campo das doenças cardíacas e vasculares, muito ainda deverá ser feito. Temos ainda a chamada Covid “longa” com as sequelas e limitações, que podem permanecer por meses ou anos e que exigiu, adaptações em nosso sistema de saúde. Felizmente e gradualmente, estamos voltando a nosso ritmo de trabalho e de assistência à saúde anterior a pandemia.
Enfim, há um enorme trabalho de reconstrução dos sistemas de saúde e de resgate dos pacientes e da população em suas necessidades. Com o retorno de todas as atividades da sociedade em 2023 alguns problemas recorrentes dentro da saúde pública também reapareçam como a doença respiratória aguda grave (SRAG) da infância de causa viral (que praticamente desapareceu durante a pandemia pois as crianças ficaram em casa); as arboviroses, sempre com destaque à dengue, mas não menos importante, a chikungunya, que já vem mostrando sua face muito agressiva e de mortalidade maior do que a esperada, no Nordeste brasileiro e no Litoral paulista, dentre outras doenças sazonais, a violência urbana com aumento de mortes em jovens.
Chegamos ao final de 2023. Mais um ano dificílimo para todos e absolutamente excepcional para a saúde pública. Em 2023 tivemos ainda que conviver com a desinformação e o negacionismo a respeito da pandemia e suas consequências.
Felizmente, a população brasileira, em sua grande maioria, e a imprensa em geral confiam historicamente nas vacinas e participaram intensamente deste movimento fundamental de resgate da credibilidade das vacinas e sua importância à saúde pública.
Devo lembrar, até porque estamos em período de festas de final de ano, que isto é um fator que poderá aumentar o número de casos de Covid-19, felizmente, sem a mesma gravidade, mas que ainda exige cuidados na transmissão, controle e tratamento. Uma coisa importante foi a consolidação e reconhecimento pela população do valor do SUS. Se a sociedade tinha alguma dúvida da competência e compromisso público de nossos profissionais de saúde, isto se dissipou.
Nunca o SUS, as instituições e os profissionais de saúde, os pesquisadores foram tão reconhecidos pela sociedade. Eu vivi dois momentos, o de gestor de saúde da cidade e o de cidadão. Em ambos os momentos senti orgulho de meu trabalho e do trabalho de meus colegas. Neste momento, devemos celebrar a vida, a amizade, a família e a fraternidade entre todos nós.
Vamos torcer para termos um ano de 2024 sempre melhor. Estes últimos anos foram muito difíceis em todos os sentidos, mas nos ensinaram a lutar juntos, solidariamente e superar o que vier pela frente.
Que todos possam ter trabalho, moradia, acesso à educação e à saúde. Enfim, o que sempre buscamos com nosso trabalho na saúde pública é o bem-estar de nossa gente, é aumentar a longevidade com dignidade e felicidade. Feliz 2024 a todos e muito obrigado ao apoio ao nosso trabalho.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022 e atual Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan.