Duas lágrimas. Uma, de uma adolescente de 14 anos, na frente do embarque da rodoviária. A outra, eu nem cheguei a ver. Só ouvi, em áudio de WhatsApp, no meio da voz embargada de um senhor de 80 e tantos anos. Ela eu chamo de filhota. Ele eu chamo de avô.
Cada uma dessas lágrimas, me fizeram refletir um pouco sobre o que tem sido família e o quanto os laços não sanguíneos me ensinaram sobre amor, me tornaram o ser humano que sou e, por que não dizer, até me ajudaram a viver.
Viver, Jonas? É. Até viver! E eu explico mais a seguir.
O Jonas, hoje, sócio de uma empresa reconhecida, profissional de desenvolvimento humano e organizacional e colunista, veio ao mundo primeiro como filho de “mãe solteira”. Dona Neide, negra, mineira, que desde os 7 anos trabalhava como babá, cozinheira e doméstica por comida e quando mais velha, uns trocados. Por meio de um desses lares, veio morar em Sertãozinho, interior de São Paulo, trabalhando para uma pessoa que, quando soube que ela estava grávida mandou ela embora e disse que gostaria de vê-la embaixo da ponte, passando fome, com o filho dela no braço.
Foi então, que um casal de idosos soube do ocorrido e resolveu acolher minha mãe, mesmo sem conhecer nada sobre ela. Hoje, considero um baita momento de sorte!
Eles são os responsáveis pela segunda lágrima que eu menciono neste texto. O senhor que, eu desde que me conheço por gente chamo de avô, no dia do áudio, escorria em lágrimas e me agradecia pela mensagem enquanto chorava a morte da sua companheira, que eu carinhosamente chamava de vó.
Esses dois, acolheram a minha mãe como filha e, a mim, como neto. Me chamaram (e chamam) assim até hoje. Quando não, chamam de “meu filho”. Deram um espaço para a minha mãe viver e a apoiaram antes e depois do meu nascimento, com moradia e um emprego como atendente de uma sorveteria.
Foi no balcão dessa sorveteira, que minha mãe, ainda grávida, conheceu um dos homens que chamo de pai (que vou citar aqui como pai-drastro para ficar mais claro). O cara que me criou e que vive comigo mais constantemente ainda hoje. Esse ‘pai-drasto’ que sempre me amou e fez de tudo que podia.
Mais do que com dinheiro, ofertou presença e a escolha de estar ao meu lado e dar o melhor que podia: comida, moradia, educação, abraços pós pesadelo, me ensinou a andar de bicicleta, a atravessar a rua, a pegar um ônibus.
Nos trajetos, de ônibus ou de bicicleta, ele foi o cara que respondia incansavelmente todas as minhas perguntas em um trajeto de quase 1h entre a região do Campo Grande e o centro, em que eu, curiosamente queria saber. Aquelas coisas básicas, mas que, só quando a gente não tem é que sente falta.
E, na linha das coisas que sentimos falta quando perdemos, voltemos as lágrimas do meu avô. Ao saber da notícia e conversar com ele e ficar refletindo sozinho o que tinha acontecido, não consegui deixar de sorrir, lembrando das histórias que todas (sério, todas) as vezes que nos víamos, eles faziam questão de lembrar com um sorriso no rosto:
“Um dia, você chorava muito, ainda pequeninho. Eu fiz uma mamadeira, cheia de Maisena e coloquei na sua boca. Você tomou tudo. Estava morrendo de fome. Depois dormiu a noite toda – e a gente também”, ele se orgulha em contar. Ela, adorava a história em que eu, em 1 minuto deixado em cima do sofá, rolei, cai no tapete e depois para debaixo do sofá e, por não ter chorado, eles ficaram me procurando.
Ela, era aquela avó que me dava o temido Biotônico Fontoura, com o argumento que eu precisava comer (mal sabia ela que o efeito está durando até hoje, rs).
Ele, me levava para pescar com ele – eu adorava a companhia, apesar de não gostar de pescar. Ela adorava o meu abraço. Ele, toda vez que me via, queria que eu falasse olhando no olho dele. Hoje vejo o quanto é importante ter aprendido com ele a olhar nos olhos das pessoas.
E, afinal, o que é família se não o que eu vivi com esses dois “avos”? E este ‘pai-drasto’ que até hoje se preocupa comigo e ainda me trouxe junto, tios, tias e mais uma avó, queridíssima.
O que é isso, se não uma família?
Bom, vamos, a primeira lágrima que menciono. Ela está fresquinha, pois aconteceu neste 1 de agosto. Mas, a história com essa adolescente “chorona” e seu irmão, começou em 2014. Na época, em um relacionamento anterior, a minha ex-namorada tinha um casal de filhos que, logo de cara, criamos um acolhimento e aceitação bons um com o outro. Me lembro sempre com muito carinho do nosso primeiro abraço, quando nos conhecemos na Rodoviária de Ribeirão Preto/SP. Os dois, na época, ela com 6 e ele com 12, correram na minha direção e me abraçaram juntos, um em cada lado. Essa imagem é uma fotografia carinhosa na minha mente até hoje!
Ambos, que possuem (assim como eu) o pai biológico, sempre souberam que eu era o namorada da mãe e não estava ali com nenhum objetivo diferente disso, tentando forçar e ocupar nenhum espaço adicional.
Mas, a aproximação foi ficando maior dia a dia e, logo, surgiram os termos “Paizinho” e “Filhotes”. Mais que termos, tinha um carinho, um respeito e um amor muito grandes. Conexão. Vontade de trocar sobre a vida, ensinar e aprender. Viver coisas juntos!
Quiseram as combinações de combinações que em menos de 2 anos, o meu relacionamento com a mãe deles terminassem, mas o vínculo com eles não. E, ao longo destes 8 anos, cultivamos conversas constantes, visitas mútuas e muita memória. Muitas boas, que, para mim, foram traduzidas na lágrima da filhotinha, observada pelo irmão (agora com 20), após nosso abraço de despedida de um fim de semana juntos.
E aí, eu me (e te) pergunto: Afinal, não é família o que eu vivo com esses dois?
Eu sei que Freud explicaria isso por meio da sua abordagem sobre Transferência e poderíamos discorrer aqui sobre isso. Mas vou me dar ao luxo de não entrar nesse mérito e profundidade neste artigo – mas, se quiser saber mais, dá um Google, conversa com um psicólogo ou psicanalista que fará sentido.
O ponto principal aqui é o quanto de amorosidade que encontro e entrego nessas conexões. Eu não tenho filhos biológicos até aqui. Hoje, vejo que a relação e o vínculo que tenho com eles sejam o mais perto que tenho disso. E, vou dizer: sou muito grato por isso tudo!
Grato por ter na minha vida, filhotes, ‘pai-drasto’, avos, primos, tias, tios. Sogros. Amigos e amigas. Professores. Sócios e colegas de trabalho. Todos eles sem nenhuma conexão biológica, mas, com o vínculo da amorosidade, em muitas vezes, não encontrada nas composições da “tradicional família brasileira”.
Que fique claro, esse texto não é para minimizar em nada as relações que tenho com meus queridos parentes biológicos. Pelo contrário, os honro e sou muito grato por nossas histórias, nossa ancestralidade e todas as vivências e aprendizados até aqui. Mas, o foco deste texto é outro: pensar, realmente, o que compõe essa tal de família que valorizamos.
Acho que a lição que as lágrimas – e os muitos sorrisos – me ensinam é que família é fruto de amor. Onde há amor, há espaço para constituir famílias. Algumas mais próximas, outras mais distantes, mas tem família.
Família, para mim, tem a ver com se importar genuinamente com o outro, mas do que com a ancestralidade do DNA.
Família tem a ver com respeitar diferenças e acolher o outro apesar das diferenças. Falar sério quando precisar falar sério e, por que não, pedir que conversemos olhando no olho um do outro. Mas, também tem a ver com rolar no chão de rir por uma bobeira qualquer.
Família tem a ver com quem escolhe estar ao seu lado, mesmo quando você é só um sonhador. Tem a ver com quem aposta em você, com recursos ou com um abraço após um dia que deu tudo errado.
Talvez, se família fosse vista desta forma, toda forma de amor seria mais respeitada em 2022. E no lugar de ficarmos brigando um com o outro por assuntos diversos, escolheríamos mais vezes o que nos conecta de igual, de humano, independentemente do DNA ou das opiniões.
Afinal, entre DNAs e sentimentos, como você compõe sua família? O meu desejo é que tenhamos mais do que família de sangue, família de amor. Seja ele, como for.
Jonas Santos, de 28 anos, mora em Campinas desde os 7 anos e acredita que por meio da educação pode melhorar o mundo dele e dos outros