Tentando ajudar o enteado Kayki, de 10 anos, nas dificuldades escolares, Ayli Jeovana, 42 anos, passou a dar aulas de reforço escolar para ele e para uma amiguinha. Não demorou muito tempo foram se juntando ao grupo outras crianças. Quando se deram conta Jeovana e a esposa Ana Paula, estavam com 18 crianças dentro de casa, em diferentes séries e diversas dificuldades, não só escolares. Tinha também um agravante: a pandemia de Covid-19 trouxe junto mais desemprego e miséria e as crianças chegavam para o reforço escolar com fome, muita fome. Foi nesse cenário que nasceu, em fevereiro de 2020, a Oficina do Saber Portelinha, no jardim Lisa 2, em Campinas. Na época, a comunidade contava com 75 famílias e 70 crianças.
Jeovana, que entrou na faculdade de direito mas não concluiu, conta que para ensinar teve que aprender os quatro pilares da educação da Unesco: Aprender a Conhecer; Aprender a Fazer; Aprender a Conviver e Aprender a Ser. “Muitas vezes eu não tinha do domínio do conteúdo que precisava ensinar. Foi então que criei uma ponte com os professores das crianças que primeiro me explicavam para depois eu conseguir ajudar as crianças. Tive apoio de educadores brilhantes que chegavam a gravar vídeos para me ensinar a matéria. Fomos criando um rede de ajuda e estávamos todos aprendendo muito com isso”, conta.
O projeto cresceu e chegou a receber 70 e até 100 crianças. Além disso foram chegando novidades como as aulas de capoeira e de balé. A Oficina do Saber Portelinha passou a arrecadar e distribuir cestas básicas. “Percebemos nesse tempo a importância que o reforço escolar trazia para a vida dos frequentadores; Além disso, a questão dos lanches que distribuíamos ajudava a alimentar as crianças”, destaca.
Esse convívio diário com as crianças acabou trazendo um olhar mais humano dentro da vida da família de Jeovana, que mesmo tendo que tratar de episódios de tromboses nas pernas não abre mão de continuar ajudando as crianças. “ Sonho em ter um espaço físico para acolher todas essas crianças da melhor forma possível. Quero ter a possibilidade de oferecer uma alimentação adequada e nutritiva para elas. Aprender junto com elas que a educação e o aprendizado são o melhor caminho para garantir um futuro melhor para todos”, diz.
O projeto não tem patrocinador, mas Jeovana e Ana Paula vão atrás de comércios, dos empresários e conseguem fazer dar certo. Nesse período descobriram que a empatia acaba transformando a vida e as histórias.
Como mudaram de bairro, agora a Oficina do Saber Portelinha passará a ocorrer no jardim Bassoli, em Campinas. “Já fizemos um levantamento e temos pelo menos 100 crianças precisando de reforço escolar”, conta.
Como diria Paulo Freire: “Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar” e esse é o sonho que faz com que Jeovana se levante todos os dias para seguir com a Oficina do Saber Portelinha.
Kátia Camargo é jornalista e ao conversar com Jeovana lembrou-se da música Aquarela, de Toquinho, pois ela se vestiu de esperança para fazer a diferença na vida de muitas crianças. No caminho foi se conectando com outras pessoas que abraçaram o projeto.