Sete de setembro, dia do teatral “grito da independência”, às margens do Rio Ipiranga, quando, em 1822, Dom Pedro I teria proclamado a si mesmo Imperador do Brasil, separando a nação brasileira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, então governado por Dom João VI, seu pai, que, assim como toda a corte e a família real portuguesa, fugia das invasões napoleônicas na Europa, refugiando-se nas terras que invadiram e exploravam por séculos.
Se sobrepondo à luta incansável dos quilombos por liberdade, igualdade e justiça social, assim como à organização democrática dos povos indígenas, anterior à violência colonial-escravista, a data virou símbolo da suposta emancipação política do Brasil, que já era buscada desde a Inconfidência Mineira (Minas Gerais, 1789) e a Revolta dos Alfaiates (Bahia, 1789), e continuou sendo reivindicada, a exemplo da Cabanagem (Grão-Pará, 1835), da Sabinada (Bahia, 1837), da Balaiada (Maranhão, 1838), de Canudos (Bahia, 1896), e movimentos sociais que continuam significando a “independência” a partir da construção de democracias verdadeiramente populares.
Da oligarquia da República Velha à ditadura do Estado Novo, a industrialização do Brasil seguiu condicionada a ordens que vinham da Europa e dos EUA, disfarçadas por um nacionalismo superficial e um patriotismo perverso, negando as origens e a diversidade de um povo nascido da violência e da exploração, exaltando opressores e massacrando lideranças que desafiavam a elite financeira herdeira do colonialismo.
Já afundados na ditadura civil-militar que teve início em 1964 e valia-se dos símbolos nacionais para demonizar a resistência popular contrária à tirania das fardas, o Brasil testemunhou e foi cúmplice do golpe militar no Chile, em 11 de setembro de 1973, que levou à morte de Salvador Allende, presidente socialista democraticamente eleito. A ditadura assassina de Augusto Pinochet veio em seguida, responsável pela morte de mais de três mil chilenos, além de centenas de milhares de refugiados e incontáveis denúncias de censura, perseguição, tortura e repressão a professores, jornalistas, artistas e lideranças de oposição.
Brasil e Chile fizeram parte de uma longa lista de países Latino-Americanos cuja soberania foi sequestrada pelo intervencionismo estadunidense durante a Guerra Fria, especialmente durante a Operação Condor, comandada pela Inteligência dos EUA numa fantasiosa batalha contra o comunismo durante a Guerra Fria, quando o verdadeiro interesse da potência ocidental-capitalista era ampliar seu domínio político e econômico sobre territórios ricos em recursos como combustíveis fósseis, metais, água, terras agricultáveis, além de mão-de-obra e mercado consumidor.
Quase 30 anos depois, dia 11 de setembro de 2001 entrou para a história por conta do atentado do grupo fanático-religioso Al-Qaeda, responsável pelo sequestro de dois aviões que foram usadas para derrubar o World Trade Center, em Nova Iorque, matando cerca de três mil pessoas que trabalhavam no local.
O Al-Qaeda era liderado pelo militar multimilionário Osama Bin Laden, que havia comandado as tropas do Afeganistão, com amplo apoio dos Estados Unidos, na guerra contra a União Soviética entre 1979 e 1988. Em retaliação, George W.
Bush, então presidente dos EUA, declarou a “Guerra ao Terror”, justificando uma nova onda de invasões a países como Iraque e Afeganistão em nome da democracia e da liberdade, levando à morte centenas de milhares de civis e a destruição política e econômica de nações do Oriente Médio e Norte da África.
As bandeiras flamulando, gloriosas, enquanto bombas explodem e pessoas morrem sangrando, feridas e famintas, desmascaram a perversidade do patriotismo usado como justificativa para o discurso de ódio e opressão contra grupos e nações consideradas inimigas. A lição que já deveria ter sido aprendida com as monstruosidades do nazismo e do fascismo, durante os horrores da segunda guerra mundial, permanece atual, presente em exaltações do ultranacionalismo, como no ataque ao Capitólio dos EUA, em 6 de janeiro de 2021, e nos atos golpistas de invasão e depredação em Brasília, em 08 de janeiro de 2023.
Quando se soma o fanatismo religioso ao discurso de ódio, armamentista e ultranacionalista, ideias como “independência” e “liberdade” perdem completamente o sentido, apontando muito mais na direção de ditaduras totalitárias, teocracias tirânicas e grupos terroristas do que de movimentos populares republicanos e democráticos.
Tendo à frente o enorme desafio de lidar com o legado nefasto do bolsonarismo e das graves sequelas da pandemia da COVID-19, o terceiro mandato presidencial de Lula tenta, mais uma vez, construir alianças com partidos do “centrão” oportunista e fisiologista que, com um pé no neoliberalismo e outro no conservadorismo, seguem explorando as injustiças sociais e desigualdades econômicas de um país ainda refém dos caprichos e vontades de uma minúscula minoria que controla recursos financeiros, militares e publicitários.
Não há independência onde há fome, pobreza, violência, intolerância e opressão à diversidade de expressão e existência – apenas demagogia e propaganda. O grito do Ipiranga, aqui, é fatal: a morte é a sentença àqueles que têm sua independência negada, pela cor da pela, pelo gênero, pela identidade, pelo endereço, pela cor da bandeira ou pelo saldo bancário.