É difícil competir. A crise climática global é um tema que desperta cada vez mais interesse, pelos evidentes e graves impactos já observados em todo planeta. Escalada de furacões em uma região, seca intensa em outra, tempestades e enchentes letais em uma terceira. Como a origem dessa emergência climática é o agravamento do efeito estufa, provocado pela emissão desenfreada de gases resultantes da queima de combustíveis fósseis como o petróleo e o carvão, grande parte das atenções da comunidade internacional hoje é para o desafio de descarbonizar a economia, assunto de nosso último texto nesta Hora da Sustentabilidade.
Entretanto, há outra crise gravíssima em curso, para muitos ainda mais ameaçadora para o equilíbrio natural, que é a da rápida extinção da diversidade biológica. Para muitos cientistas, o que está acontecendo é a sexta megaextinção da biodiversidade planetária. Algo como o que ocorreu por exemplo com a extinção dos dinossauros há milhões de anos.
Nesta sexta megaextinção, os cálculos são de que 1 milhão de espécies, animais, vegetais, de insetos e microrganismos, estão sob ameaça de extinção, algumas a curto, outras a médio e outras a longo prazo. Esse panorama não é nada promissor para o planeta, pois a vida como conhecemos foi construída, ao longo de milhões ou bilhões de anos, justamente tendo como marca a diversidade biológica. São milhões de espécies formando uma teia de vida, se relacionando com outras espécies diariamente. A grande característica da megaextinção é que ela é provocada por ações humanas, é resultado de ações destrutivas do ser humano.
Tomemos o caso do Brasil. Originalmente, o território que os portugueses encontraram, em 1500, era todo coberto de florestas em uma faixa de até cerca de 100 km de todo o litoral brasileiro. Este era o território original da Mata Atlântica, que depois de cinco séculos está reduzida a menos de 10% do que era. Dá para imaginar quantas espécies animais e vegetais desapareceram neste período na Mata Atlântica? E o quanto isso foi prejudicial para a teia da vida em grande parte do Brasil?
Pois o mesmo está ocorrendo em ritmo acelerado na Amazônia, ainda a maior floresta tropical do planeta, mas que já teve cerca de 20% de sua área desmatada. Os cientistas têm alertado que a destruição da Amazônia teria um impacto global, pela mudança no regime de chuvas e no clima em geral, mas outra das consequências nefastas seria o desaparecimento de milhões de espécies que nem são conhecidas ainda. Muitas espécies vegetais da Amazônia já estão sendo exploradas de forma sustentável, gerando produtos com várias utilidades, da alimentação à higiene. A destruição da floresta significa o desaparecimento de muitas espécies que ainda podem representar muitos ganhos para as comunidades locais.
Outro efeito grave da extinção da diversidade biológica é que ela pode contribuir para o surgimento de patógenos que podem levar a epidemias e pandemias de grandes proporções. Logo no início da pandemia de Covid-19, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) publicou um comunicado em que deixou muito claro o risco derivado da extinção de diversidade de espécies.
“Os seres humanos e a natureza fazem parte de um sistema interconectado. A natureza fornece comida, remédios, água, ar e muitos outros benefícios que permitiram às pessoas prosperar”, disse na época Doreen Robinson, então chefe para a Vida Selvagem no Pnuma.“Contudo, como acontece com todos os sistemas, precisamos entender como esse funciona para não exagerarmos e provocarmos consequências cada vez mais negativas”, alertou a especialista.
Doreen Robinson lembrou na ocasião que o relatório “Fronteiras 2016 sobre questões emergentes de preocupação ambiental” (Frontiers 2016 Report on Emerging Issues of Environment Concern, em inglês), do PNUMA, já alertava para as ameaças de zoonoses para o desenvolvimento econômico, o bem-estar animal e humano e a integridade do ecossistema. O relatório nota que, nos últimos anos, várias doenças zoonóticas emergentes foram manchetes no mundo por causarem ou ameaçarem causar grandes pandemias, como o Ebola, a gripe aviária, a febre do Vale do Rift, a febre do Nilo Ocidental e o Zika Vírus.
Segundo o relatório, completou o PNUMA, “nas últimas duas décadas, as doenças emergentes tiveram custos diretos de mais de US$ 100 bilhões de dólares, com esse número podendo saltar para vários trilhões de dólares caso os surtos tivessem se tornado pandemias humanas”.
“Do ponto de vista da comunidade ambiental, para impedir o surgimento de zoonoses é fundamental endereçar as ameaças múltiplas e frequentemente interativas aos ecossistemas e à vida selvagem, incluindo redução e fragmentação de habitats, comércio ilegal, poluição, espécies invasoras e, cada vez mais, mudanças climáticas”, concluiu o PNUMA em seu comunicado, logo no começo da pandemia de Covid-19.
É quase um consenso entre os cientistas que o ritmo de destruição da diversidade biológica pode ser, de fato, um elemento detonador de outras doenças ainda não conhecidas do ser humano. E como acentuou o comunicado do Pnuma, a extinção da diversidade biológica encontra conexões com a crise climática que está assustando e mobilizando cada vez mais a cidadania planetária.
Falta, então, maior atenção da comunidade em geral, da mídia, dos políticos, de todos, para a megaextinção da biodiversidade. Em dezembro de 2022, aconteceu em Montreal, no Canadá, a Décima Quinta Conferência das Partes (COP-15) da Convenção da Diversidade Biológica. O evento nem de longe despertou o interesse da imprensa ou da sociedade em geral, como ocorre no caso das Conferências das Partes da Convenção da Mudança do Clima. A COP-27 do Clima, realizada um mês antes, em novembro de 2022, levou milhares de pessoas ao Egito, incluindo o então recém-eleito presidente Lula e a depois ministra Marina Silva.
Diariamente a imprensa tem noticiado fatos relevantes relacionados à emergência climática, geralmente envolvendo grandes somas de dinheiro.
São novos investimentos em tecnologias energéticas mais limpas, novas formas de produzir sem agravar o aquecimento global. Tudo muito importante. Mas se o planeta como um todo não der atenção igual para a aceleração da destruição da biodiversidade, logo será tarde demais. A destruição da Mata Atlântica foi uma catástrofe sem medidas. Algo semelhante na Amazônia ou no que resta da diversidade biológica em outras regiões será letal para a civilização como conhecemos.
No Brasil, entre outras espécies estão seriamente ameaçados o cervo-do-pantanal, o boto cor-de-rosa, a jacutinga, o lobo guará, a ariranha e tantos outros animais, além de muitas espécies vegetais. O nome do nosso país, lembremos, deriva de uma árvore, o pau-brasil, que quase foi extinto de tanto que foi derrubado para diversos usos comerciais. As ameaças continuam contra a espécie, assim como para 1.173 espécies da fauna e 2.953 espécies da flora brasileiras em geral.
Frear a destruição da biodiversidade é, portanto, hoje um grande desafio ético e vital para a humanidade. E reflorestar é um caminho fundamental para manter o equilíbrio das espécies, além de contribuir com o próprio enfrentamento da crise climática, pela capacidade das matas de absorver o gás carbônico.
Peguemos o exemplo da região de Campinas, originalmente toda coberta pela Mata Atlântica. Tanto que o primeiro nome da cidade foi Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso. Hoje, menos de 5% do município são cobertos por matas, muito menos do que a média em geral na Mata Atlântica. Proteger o que ainda resta de diversidade biológica no município e, em paralelo, reflorestar em massa são grandes desafios para a sustentabilidade local e regional.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: [email protected]