Ufa! Estamos chegando ao final de 2021. Mais um ano dificílimo para todos e absolutamente excepcional para a saúde pública. O ano de 2020 já havia sido dramático com a abrupta chegada da pandemia do Sars-Cov2 e a Covid-19 no Brasil, doença nova, agressiva, desconhecida em todos os seus aspectos e com todas as suas inseguranças e de evolução aterrorizante, em muitos momentos. Entretanto, já no mês de janeiro de 2021, graças ao extraordinário trabalho feito por pesquisadores em todo o mundo e aqui no Brasil pelos Instituto Butantan e FioCruz, tínhamos as primeiras vacinas para começar a proteger cidadãos vulneráveis, idosos e profissionais de saúde.
Devo recordar que, em outubro de 2020, o Instituto Butantan já tinha em estoque 12 milhões de vacinas preparadas para uso, não foi permitido pela Anvisa naquele momento. Todo o meu respeito pelo trabalho da Anvisa na pandemia, mas naquele momento faltou diálogo para que pudéssemos começar o processo de vacinação. Todos os especialistas diziam que as vacinas seriam fundamentais, o que se confirmou ao longo do ano de 2021. O Brasil poderia ter sido o primeiro país no mundo a iniciar a vacinação, ainda em 2020. Em grave crise sanitária, é absolutamente normal autorizações excepcionais com a garantia da segurança vacinal. E isto havia. Informações completas sobre as vacinas só viriam muito tempo após.
Praticamente, 100% dos 50 milhões de pessoas vacinadas incialmente no País receberam a CoronaVac e isto certamente foi fundamental para a evolução da pandemia nos meses que se seguiram. O Brasil só “engrenou” no programa de vacinação a partir de junho deste ano, quando mais de um milhão (na verdade, chegamos a mais de dois milhões por dia nos melhores momentos) de pessoas passaram a ser vacinados todos os dias. Infelizmente, a chegada a variante P1 (amazônica) e após alguns meses a da variante Delta (Índia) provocou uma explosão de novos casos e de mortes, muito pior do que havíamos vivido em 2020. Ainda assistimos perplexos as discussões surreais sobre o uso de máscaras.
Neste 2021, não temos mais dúvidas sobre a importância das máscaras como elemento fundamental e complementar à prevenção da disseminação do vírus.
Em 2021 tivemos ainda que conviver com a desinformação e o negacionismo a respeito da pandemia e suas consequências. Felizmente, a população brasileira, em sua grande maioria, e a imprensa em geral, confiam historicamente nas vacinas e participaram intensamente deste movimento fundamental ao controle e estabilização da epidemia no Brasil. Devo lembrar, até porque estamos novamente em período de festas de final de ano, que essa grave reativação da pandemia também teve origem em uma série de eventos que precisamos evitar neste final de 2021. Em 2020 tivemos eleições municipais (que felizmente não tivemos agora) em todo o País o que, certamente, movimentou toda a classe política e a população. Assistimos um número enorme de candidatos doentes e, infelizmente, também muitas mortes dentre eles. Em minha visão, é impossível eleição sem grandes aglomerações, reuniões presenciais, abraços, etc. E isto ocorreu em mais de 5.000 municípios brasileiros.
Após as eleições, vieram as festas natalinas. Como em novembro de 2020 tivemos um arrefecimento da epidemia no Brasil, este fato fez com que muitos grupos familiares, corporativos, de amigos, dentre muitos outros, se reunissem para confraternização de final de ano. Após as festas, vieram as férias de Verão. Novamente, movimentação, passeios, aglomerações, etc. Enfim, tudo somado, tivemos uma explosão de casos e mortes. Foram constrangedoras as imagens de Manaus, já no início deste ano. E todo o sistema de saúde já pressionado e de certo modo cansado, desanimado e, em parte já desmobilizado pela redução de casos nos meses de outubro e novembro de 2020, assistiu este recrudescimento e teve que se reorganizar para atender novamente este segundo pico de transmissão e de casos. Todo o esforço feito em 2020 teve que ser refeito e multiplicado.
A segunda onda foi muito mais grave e letal que a primeira. Confesso que não esperava isto.
Mas as novas variantes pegaram a população totalmente desprotegida já que as vacinas chegaram atrasadas. Nesta segunda onda tivemos, em três períodos inferiores a 60 dias cada, 100 mil mortes por período (entre janeiro e junho). É muito triste e indigno isto que ocorreu. Certamente, muitas vidas teriam sido salvas caso não tivéssemos a politização da vacinação. No momento em que a sociedade se convenceu da importância das vacinas e o Ministério da Saúde as adquiriu em quantidades adequadas, o SUS entrou em ação e tivemos um trabalho admirável e inesquecível pela nossa rede de saúde. Todo o know how que o Brasil adquiriu ao longo de décadas foi colocado em prática e começamos um movimento cívico, maravilhoso e resolutivo com a vacinação ocorrendo em todos os lugares deste país.
A partir de junho tivemos curvas inversas entre casos/mortes e vacinas. Na medida que a vacinação progredia, o número de casos diminuía bem como o número de mortes. Em outubro chegamos a 100 milhões de cidadãos completamente imunizados no Brasil. Neste mesmo mês de outubro, o País começou a dar as doses de reforço em idosos, imunossuprimidos e em profissionais de saúde.
Os números de Campinas eram extraordinários, com mais de 70% de nossa população completamente vacinada. Devemos todos, neste final de ano, homenagear estes profissionais que fizeram um trabalho histórico e heroico.
Se a sociedade tinha alguma dúvida da competência e compromisso público de nossos profissionais de saúde, isto se dissipou. Nunca o SUS, as instituições e os profissionais de saúde, os pesquisadores foram tão reconhecidos pela sociedade. Eu vivi dois momentos, o de gestor de saúde da cidade e o de cidadão. Em ambos os momentos senti orgulho de meu trabalho e do trabalho de meus colegas. Terminamos 2021 aliviados, porém com o sentimento de que a pandemia não acabou. Precisamos continuar a cumprir nossos deveres de cidadãos, mantendo as medidas de proteção sobejamente difundidas, fazendo nossas imunizações a seu tempo e defendendo o nosso SUS e todas as instituições e profissionais de saúde. Ainda há muito a fazer.
O período pós-pandemia também será muito duro. As sequelas e agravos, tanto da Covid-19 como de outras doenças, virão. Mas, estaremos trabalhando para superar as dificuldades que vierem. Neste momento, devemos celebrar a vida, a amizade, a família e a fraternidade entre todos nós. Vamos torcer para termos um ano de 2022 melhor. Estes últimos dois anos foram muito difíceis em todos os sentidos, mas nos ensinaram a lutar juntos, solidariamente e superar o que vier pela frente. Feliz Natal!
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020